quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Abrindo as portas: uma análise acerca da discriminação religiosa sob a ótica da sociologia durkheimiana

No livro “Minha Vida de Menina”, de Helena Morley, são retratadas as conjunturas socioculturais do Brasil no século XIX, com destaque para a então província de Minas Gerais, local no qual a escritora viveu. Nesse sentido, a obra evidencia o quão permeável a sociedade era aos ideais católicos, uma vez que uma parcela significativa dos comportamentos sociais norteiavam-se com base neles. Dessa forma, é possível identificar o fenômeno apresentado por Helena como uma das causas do atual preconceito religioso no Brasil. Assim, convém analisar esse quadro com mais detalhes sob a ótica de Émile Durkheim. 

A princípio, é pertinente reconhecer que Durkheim, um dos sociólogos mais notáveis da história, enxergava, em seus estudos, a sociedade de maneira bastante similar a um organismo biológico. Isso porque, para o pensador francês, cada elemento social detém um papel-chave que, estando em consonância com os demais, atua a fim de promover o funcionamento coesivo de toda a coletividade. Com base nisso, o sociológico formulou a sua tese de que o “fato social” seria o conjunto de mentalidades e modos de agir que exerceriam intensa coerção sobre uma pessoa, obrigando-a, assim, a moldar-se a realidade social coletiva na qual esteja imersa. 

Assim sendo, percebe-se uma forte influência desse conceito na violência religiosa: ao conviver em uma sociedade fortemente cristã, o indivíduo tende a absorver esse comportamento coletivo por meio da vivência e, desse modo, acaba por desvalorizar as demais religiões. No ano de 1824, por exemplo, o então imperador Dom Pedro I outorga a Constituição Imperial, a qual define o Catolicismo como a única religião oficial do Brasil. Simultaneamente, o ensino cristão passa a ser ministrado nos antigos colégios imperiais com o intuito de preparar a ideologia religiosa da nação nos moldes constitucionais. 

Por conseguinte, o corpo social brasileiro tornou-se intrinsecamente ligado às concepções papais, e, a medida que outras crenças tornaram-se cada vez mais desconhecidas do público,  intensificou-se o processo de deturpação de seus ideais e, com isso, teve-se o germinar da semente da intolerância religiosa, posto que os indivíduos que não fossem adeptos do cristianismo estavam em discordância com as normas coletivas. 

Ademais, é válido pontuar que a tese de Durkheim se aplica, ainda, na contemporaneidade: embora o Estado já não tenha mais uma religião oficial, inúmeras famílias enviam seus filhos à catequese com o intuito de ensinar-lhes, desde cedo, os ensinamentos bíblicos. Também, o fato de muitos sujeitos crescerem dentro de um ambiente que prega a inferioridade de outras religiões- como alguns líderes religiosos o fazem- contribui para que o indivíduo não só absorva esse mesmo comportamento radical, como também o repasse adiante para seus descendentes em um momento futuro.

Portanto, é nítido que o conceito sociológico de “fato social” proposto por Émile Durkheim pode auxiliar na compreensão de diversos fenômenos sociais, como o caso da discriminação religiosa aqui abordada. Dessa forma, com base no exposto, entende-se que as características comportamentais da sociedade brasileira descritas no livro de Helena Morley foram fruto de um processo histórico-cultural no qual os valores coletivos moldavam a mentalidade individual. 

Ora, se a sociedade está acima do indivíduo na visão do “fato social” de Durkheim, é razoável assinalar que uma mudança “na parte” depende de uma mudança “no todo”, ou seja, o comportamento individual é reorganizado a medida que a mentalidade coletiva é também reelaborada. Assim, conclui-se que a efetiva superação de muitas das mazelas sociais hodiernas passa, obrigatoriamente, por uma desconstrução de preconceitos. Esse processo deve ser guiado pela escola, por meio de um ensino baseado na pluralidade de ideias, pois, somente desse modo, poder-se-á abrir as portas para uma nova realidade que seja pautada não mais pela intolerância, mas sim pelo respeito.


Fábio Eduardo Belavenuto Silva- 1º ano de Direito- Matutino


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