segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A hodiernidade da análise sociologia de Durkheim: ideologias e as perspectivas de direito

As ideias funcionalistas de Émile Durkheim no livro “As Regras do Método Sociológico” surgem, no final do século XIX, como uma nova via de interpretação da realidade social e que após mais de um século ainda possibilitam uma análise da sociedade contemporânea, sobretudo, nomeadamente, a utilização de ideologias para interpretação da realidade social e a transformação do jurídico de um aspecto punitivo para um restitutivo. Se em principio Durkheim expôs a falibilidade da analise social ideológica de Comte e Marx, argumentando que esses analisavam a sociedade através das ideias para então posteriormente definir o concreto e as coisas, hoje apresentam-se teorias que não diferem das criticadas.

Elas são diversas e variam ao gosto do freguês, algumas defendem o fim do Estado como solução dos problemas, outras exigem o total controle destes e por fim há aquelas que pregam a sua minimização. Todavia, todas partilham das mesmas características “religiosas” como definiu Russel Kirk no livro “A Política da Prudência”, afirmando que as ideologias são as novas religiões são elas: doutrinas que se apresentam como uma verdade salvadora do mundo sob a forma de análise social e seus fins são a reforma da sociedade segundo a sua própria imagem, qualquer verdade que vai além das suas ideias e objetivos são consideradas falsas, trazem uma utopia em relação ao futuro, sua análise sempre é pré-concebida de visões do que será o por vir. O que carregam de intrínseco o Anarco capitalismo, Anarquismo, Fascismo e o Neoliberalismo? Carregam consigo a noção de antes mesmo de fazer a análise social já conhecerem o sentido fim dela. As ideologias ainda fornecem na contemporaneidade explicações sobre o mundo, torna-se dessa maneira imprescindível a retomada da análise sociológica de Durkheim, em que propõe o método de análise das coisas para as ideias e não o contrário.

No plano do direito, a perspectiva de Durkheim é que a sociedade moderna superaria o direito punitivo e evidenciaria o direito restitutivo, entretanto, observa-se hodiernamente que esse juízo não se concretizou. Nas sociedades pré-modernas caracteriza-se a solidariedade mecânica e os indivíduos estão unidos por conta de crenças comuns enraizadas na consciência coletiva, toda ação que apresente resistência a um fato social e resulte em um contexto de anomia social é repreendida pelos próprios membros da sociedade, justamente pelo fato de a lei estar difusa na consciência social. Por conta desses fatores o direito penal prepondera e representa, sobretudo, um duplo sentido da pena, não apenas puni o praticante do delito, mas o objetivo é que essa punição ecoe para todo o corpo social e sirva de exemplo quanto mais severa for.

Na modernidade o tipo de solidariedade altera-se para orgânica, os indivíduos agora se veem não unidos por crenças comuns, mas por consequência do capitalismo e da divisão do trabalho estão agora unidos pelas suas funções individuais e complementariedade delas. Por conta disto o direito tende também a se remodelar, sua ação agora não é preponderantemente penal e sim restitutiva, tem o objetivo de restituir os indivíduos as suas funções específicas, sua tarefa é análoga ao sistema nervoso: regular as funções do corpo. Nesse tipo de solidariedade se um elemento “estranho” não impacta o conjunto social, ele o fortalece, antes o que era considerado subversivo a coesão social começa a ser incorporado, justamente pelas suas possibilidades de desempenho de papeis sociais contributivos ao equilibro. Essa incorporação parece mais uma resposta a necessidade do sistema capitalista, que angaria novos papeis sociais para suprir suas demandas, a exemplificar, a inserção das mulheres no mercado de trabalho (antes considerado algo perigoso a coesão social) devido ao fato de os homens estarem na guerra e a aceitação dos negros devido a necessidade de mercado consumidor.

Nota-se na sociedade contemporânea um conflito dessas duas visões de direito, há uma parcela da sociedade que reivindica alterações e incorporação de condutas e em contrapartida existe uma outra que reage tentando barrar essas incorporações com ações tipicamente do direito punitivo das sociedades pré-modernas. Esse cenário é evidente ao se constatar a notícia de que um casal gay foi agredido por sete homens, o motivo não era roubo, apenas violência consta uma das vítimas: “Depois de me dar um chute na cara, eles riram de nós e começamos a correr. Se eles quisessem nos roubar, teriam feito isso. Eles só queriam nos machucar". É a consciência coletiva atuando como tentativa de restringir a incorporação dessa parcela social.

Concomitantemente, nesse mesmo aspecto, vemos apresentadores de programas policiais requisitando leis mais dura a maneira do direito punitivo, pois acreditam que o direito restitutivo não fornece o duplo sentido de pena, fazendo ecoar de exemplo a ação punitiva aos outros membros sociais. Em um vídeo o apresentador televisivo Siqueira Junior tenta justificar o assassinato de um suspeito rendido por um policial, e isso é dado como “exemplo” de quem contraria a “justiça”, o suspeito já estava rendido e mesmo assim o policial efetuou o tiro para matar. Vemos claramente uma característica do direito punitivo: a natureza do crime por si mesma não explica a pena.

Diante desse cenário desafiador a perspectiva de analise social provida por Émile Durkheim torna-se imprescindível para a interpretação da realidade, tanto para solução da problemática envolvendo as duas faces do direito, bem como para que essa ciência não seja analisada por ideologias que vão justamente contra a verdade sociológica, pois a ideologia conforme afirmou John Adams é a “ciência da idiotice”.


Referencias: 

KIRK, Russell. A Política da Prudência. 1º edição, São Paulo, É Realizações Editora, 2013.

Homofobia: Casal gay é agredido por grupo de sete homens na Argentina. Notícias Uol Disponivel em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2019/09/05/casal-gay-e-agredido-por-grupo-de-sete-homens-na-argentina.htm. Acesso em: 09/08/2020

           Video de Siqueira Junior: https://www.youtube.com/watch?v=_aOtDCVQVA0&bpctr=1597049627



Otávio Eloy de Oliveira - 1º ano de Direito - Noturno



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