quinta-feira, 23 de julho de 2020

Uma Visão Atualizada da Engrenagem Social de Augusto Comte

          Para tornar-se compreensível a metáfora da sociedade funcionando como uma engrenagem, faz-se necessário um maior entendimento dos estudos de Augusto Comte, fundador da física social, também conhecida como sociologia. O sociólogo apresenta duas leis lógicas, a estática e a dinâmica, fazendo surgir assim, respectivamente, os conceitos de ordem e progresso.
            Na estática, observa-se que os indivíduos de uma determinada sociedade estabelecem padrões de conduta, chamados por Comte de moral, a fim de buscarem a sua estabilidade, seu equilíbrio, alcançando, assim, a ordem. É nesse contexto que surge a solidariedade positivista, sendo caracterizada pelo cumprimento, por parte de cada indivíduo pertencente àquela sociedade, de seu papel, suas funções sociais. Na perspectiva positivista, a educação assume um papel essencial na perpetuação da moral de uma sociedade, o que acabou e ainda hoje acaba, infelizmente, justificando a interferência por parte de povos que se encontram em um estágio superior de desenvolvimento, no caso o positivo (que busca descobrir as leis efetivas do universo, utilizando-se do raciocínio e da observação), sobre povos que ainda se encontram no primeiro estágio, o teológico (tendo os fenômenos explicados por meio de intervenções sobrenaturais ou divinas). Podemos citar como exemplo dessa situação o neocolonialismo do século XIX e a atual negação de políticas públicas destinadas aos povos indígenas e tradicionais com frases que evidenciam claramente que esses povos não devem ter políticas e tratamentos especiais, e sim, serem trazidos ao estado positivo e dessa forma, se adequarem às já existentes.
            Já com relação à dinâmica, que corresponde ao efetivo desenvolvimento humano, tem-se que só pode ocorrer após, primeiramente, garantida a ordem social. Sendo, dessa maneira, aquilo que é feito, dentro dos limites da ordem, em uma marcha da sociedade em direção ao progresso. Porém, essa ideia de progresso não abrangia felicidades individuais ou identidades grupais, como exemplo a comunidade LGBTQIA+. Para Comte, o progresso seria técnico, de modo que garantiria o bem-estar social porém, de maneira bastante restrita, apenas para que as pessoas possam exercer suas funções sociais de forma satisfatória, ou seja, realizarem as funções necessárias para permitirem que a engrenagem da sociedade continue a funcionar.
            Essa interpretação a respeito da solidariedade positivista como sendo a função dos indivíduos de cumprir seu papel na sociedade faz com que surjam opiniões como as de Olavo de Carvalho, em seu livro O Imbecil Coletivo, quando aborda sobre as “Mentiras Gays”. Ela abre frestas para que tal autor negue o papel social dos gays na sociedade, já que eles apenas estariam se submetendo ao desejo e que suas relações sexuais não seriam, então, necessárias para que a engrenagem social continuasse a funcionar. Esse autor afirma, ainda, que essa comunidade não deveria reivindicar e ter mais direitos que os dispostos à qualquer outro indivíduo, sendo esses, por exemplo, o direito de ir e vir, de expressão, à privacidade e à não discriminação devido a sua escolha sexual, que deve ser privada, no emprego e na vida social em geral. Isso vai exatamente ao encontro do que afirma Comte sobre essas reivindicações prejudicarem a ordem e a estabilidade e sobre o progresso garantir, apenas, o bem-estar social necessário para que a engrenagem não pare de rodar.
      Com isso, podemos perceber como interpretações e estudos superficiais a respeito das ponderações de Augusto Comte podem acarretar em visões preconceituosas, como a de Olavo de Carvalho. Assim, torna-se essencial uma análise profunda e crítica à respeito dos estudos desse sociólogo para que possamos combater esses preconceitos e construir uma engrenagem social que funcione e que, ao mesmo tempo, garanta o real bem-estar a todos os indivíduos nela presentes, respeitando suas reivindicações e necessidades para que, apenas assim, possamos finalmente chegar ao tão almejado “verdadeiro” estado positivo.

Júlia Martins Amaral - 1º Ano - Direito Matutino

Nenhum comentário:

Postar um comentário