segunda-feira, 27 de julho de 2020

Olavismo cotidiano


Um dia desses na semana passada, percebi que meus alimentos estavam se esgotando e então, sem outras opções, precisei sair para a rua. Fiz todo o protocolo quase ritualístico necessário atualmente: peguei um frasco de álcool gel, calcei os sapatos que ficam do lado de fora da casa, vesti minha máscara e fui.
Um quarteirão antes de chegar ao mercado avistei ele, Olavo, vestido com uma camiseta do Brasil e um grande crucifixo pendurado no pescoço fazendo par com seu anel de São Bento. Ele é um daqueles conhecidos que o primo de um amigo me apresentou anos atrás e que quando nos encontramos sempre me deixa desconfortável com seu jeito ostensivo. Por um momento, considerei adicionar uma caminhada de 2,5km e rumar para o segundo supermercado mais próximo a fim de evitar o encontro, mas antes que eu pudesse tomar a decisão ouvi a voz já conhecida me chamando:
- Orra, se não é meu pupilo! Como vai você? – disse ele com a máscara no queixo entre tragos do seu cachimbo e com um sorriso enviesado no rosto.
- Tudo certo comigo, Olavo... e você? Faz o que por aqui?
- Eu estava sendo atacado há anos no meu prédio por todos os moradores, sem exceção! Colocaram câmeras no elevador apenas para vigiar o Olavo, então me mudei de lá, faz dez anos! Agora, me mandaram uma conta com juros de todas as taxas de condomínio que eu não paguei! Um absurdo! E quando eu falei com o síndico para me ajudar, ele não fez nada! Achava que nós éramos amigos, mas aparentemente só eu era amigo dele... eu o ajudei a ganhar a eleição do prédio e tudo.
- Entendi... olha, na verdade a instalação de câmeras nos prédios é uma questão de segurança, protocolar. Quanto a cobrança de contas, você realmente tem que pagar, se não é crime.
- Cala a boca, seu burro. Eu falei pro síndico, Jair, que vou mandar um processo pra ele de prevaricação, o idiota nem sabe o que é, mas funcionou, até voltou a me chamar pelo apelido carinhoso que ele me deu, Guru. Agora vou ali falar com o Luciano, dono do mercado, vamos ver se ele quer me ajudar.
- OK, vá em frente. Só mais uma pergunta, sua filha está bem? – e com isso ele saiu sem dizer mais nada e entrou na loja parecendo enfurecido, não entendi o motivo dessa reação.
Então, segui com os meus planos e fui às compras. Vi de longe aquele inconveniente homem colocar alguns itens em seu carrinho, um ketchup, um saco de laranjas, enquanto resmungava ao som das músicas do Caetano Veloso que tocavam no supermercado.
Depois do que pareceram horas, enfim concluí minhas compras, com o prazer redobrado de poder sair daquele ambiente incômodo. Mas é claro que na porta do supermercado estava o Olavo.
- Ele quer fazer uma vaquinha, o Luciano, esse palhaço. – disse entre gestos amplos, parecendo irritado.
- Pelo menos ele vai te ajudar. Até mais Olavo, as sacolas estão pesadas e eu tenho que ir embora.
- AHAHA vai dizer você acredita no que Newton escreveu? Graças a deus você já está indo embora mesmo... e não vou nem te cumprimentar, sabe como são as coisas... precisamos sempre provar que não somos homossexualistas, nesse mundo desigual e injusto que nos invalida.
- É, por isso que não podemos nos cumprimentar agora. Tchau.
No caminho de volta pra casa fiquei pensando nesse encontro com o figurão. Olavo de Carvalho, positivista, católico fervoroso, desordenado, aplica as lógicas do método científico ajustadas à sua análise e sem o menor rigor. Mas faz sentido, se o estado positivo é o mais avançado, o religioso parece o lugar dele como o mais distante da lógica técnica. Infelizmente ainda restam muitos Olavos pelo Brasil, difundindo ignorância e desconhecimento.
Pedro Sousa Salgueiro Pawlowski - 1° ano Direito - Matutino

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