terça-feira, 21 de abril de 2020

O Paradoxal "Novo Obscurantismo"



    A maior virtude advinda do pensamento cartesiano incorporada pela ciência moderna foi a libertação de afirmações dogmáticas por meio do questionamento constante. René Descartes, assim como outros pensadores de sua época, quebrou paradigmas que possibilitaram uma revolução do conhecimento denominada de Iluminismo, período que metaforicamente trouxe luz a humanidade. A partir de então toda teoria deve obedecer a critérios metodológicos para que seja considerada científica e deve estar sempre aberta a discussão e admissão de sua própria falibilidade. Dessa forma, admite-se que a verdade é provisória, o conhecimento, incessante e nenhuma teoria é tão certeira que não possa ser confrontada. A ciência torna-se luz por seu caráter autocrítico, mas o direito de contestá-la acompanha o dever de informar-se sobre ela, obedecendo a um método racional e mantendo coerência com a realidade.
    Todavia, no que se refere ao momento enfrentado atualmente, é observado outro tipo de confronto ao pensamento científico. Cresce em todo o mundo uma onda denominada por alguns estudiosos contemporâneos como “Novo Obscurantismo”, justificado pela dificuldade comum de diferenciar fato de opinião. A expressão em si, assim como o movimento, é paradoxal. Nos tempos em que a ciência alcança seu ápice de descobertas, a população caminha cada vez mais rumo a ignorância. Exemplo disso é a ascensão de correntes terraplanistas, as quais desconsideram as leis da gravidade sem apresentar argumentos suficientes para refutá-las. Analisando tal cenário sob a perspectiva baconiana, percebe-se a aplicação de sua Teoria dos Ídolos na realidade, a qual sugere que o homem é influenciado por falsas percepções que o impedem de enxergar o mundo como ele realmente é, distanciando-se da razão.
    Restringindo-se a realidade brasileira, é notório que, desde as eleições de 2018, a política deixa de atuar como ciência para tornar-se um ídolo. Parte significativa da população, adota as falas do governante eleito como dogmas, mostrando-se incapaz de exercitar sua capacidade crítica e polarizando discussões de variados assuntos. No contexto pandêmico em que se encontra o cenário atual, o fenômeno aplicou-se nas divergências de opinião acerca das medidas adotadas no combate ao novo vírus. Devido ao pouco conhecimento acerca do Sars-Cov-2, vírus causador da pandemia, é unanimidade entre a comunidade cientifica a recomendação pelo isolamento social, sendo essa a única alternativa para atenuar o contágio e consequentemente as mortes causadas pelo coronavírus. É trivial que tal medida implica em sérias consequências nos cenários econômico e social, dessa forma, a excepcionalidade da situação exige da junta governamental medidas igualmente excepcionais de auxílio a população. Ao contrário, o presidente da república Jair Messias Bolsonaro desrespeita e pronuncia contra medidas preventivas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, valendo-se de argumentos desprovidos de fundamentação concreta. Uma vez manifestado seu posicionamento, parte de seus eleitores o adotam como correto dogmaticamente.
    O cenário da pandemia, naturalmente crítico, encontra agora uma nova complicação. Enquanto é necessária a responsabilidade administrativa da presidência para atenuar os inevitáveis danos, Bolsonaro mostra-se, na verdade, outro obstáculo a ser superado. O Presidente desconsidera a gravidade da questão, ignorando a possibilidade de colapso no sistema de saúde e atribui teor ideológico à luta contra o Covid-19. Além de exonerar o Ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, por atuar de acordo com as recomendações da comunidade científica e da OMS, utilizou-se de pronunciamentos oficiais para provocar governadores que atuam em desacordo a sua opinião. Tal postura deu margem à realização manifestações por seus eleitores, nas quais pedia-se pelo fim da quarentena e, em alguns casos, pela volta do AI-5. Tais movimentos além de contribuírem para a difusão do vírus, revela o quão alienada está a sociedade acerca da importância da manutenção das instituições democráticas.
    Assim, conclui-se que a própria ciência assegura o direito de critica-la, já que o questionamento é inerente ao conhecimento. No entanto, consoante ao professor Pedro Demo "toda critica só é critica se for antes autocritica" e, pelo contrário, as teorias pseudocientíficas anteriormente citadas desconsideram as inúmeras falhas identificadas em seus discursos, que são tomados por seus adeptos como "verdades absolutas".    

Ana Vitória Castro - 1º ano - Noturno

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