segunda-feira, 20 de abril de 2020

Crenças

Podemos dizer que a ciência é uma característica natural de qualquer ser vivo. Essa afirmação parece ser absurda (e é se imaginarmos cães e gatos vestidos com jalecos e escrevendo livros), mas quando me refiro a ciência, trato da forma de interpretar o mundo e dominar suas manifestações de diversas formas possíveis. As zebras, por exemplo, usam seu padrão de cores preto e branco quando ficam em grupos para confundir seus predadores, ou as lagartixas, que soltam sua calda do corpo para desviar a atenção do seu caçador. Obviamente o biólogo inglês Charles Darwin tratou essas técnicas como seleção natural, mas o que me interessa agora, principalmente no que tange a vida humana, é como se desenvolveu a ciência e como ela foi tratada e como ainda é. 
A ciência ocidental nasceu na Grécia Antiga, com o nome de filosofia. Não se trata da ciência humana que conhecemos hoje, mas sim de todos os tipos de conhecimentos. Ora, Pitágoras possuía se teorema matemático, Platão tentou propor um sistema político perfeito e Aristóteles era um observador da vida animal. Claro que foquei em uma mínima parcela de suas obras, mas é nítido como há um amor pelo conhecimento, seja ele qual for. A filosofia nasceu atrelado, no entanto, à religião grega. Os gregos, ao tentarem compreender a natureza, propuseram narrativas místicas para descreverem os fenômenos que o cercavam. Pode-se citar, como exemplos, o nascimento de Cronos, titã do tempo, e Reia, que surgiu na cúpula entre Gaia, a Terra, e Urano, o céu. Cronos gerou, através da cúpula com sua irmã, três filhos: Zeus, deus dos raios; Poseidon, deus dos mares, e Hades, deus dos mortos. Com essas narrativas, os gregos conseguiam explicar a existência do tempo, dos raios, das tempestades marítimas, das ondas, da vida pós-morte, entre diversos outros fenômenos atribuídos a outros deuses. Essa explicação mitológica aparece em diversas outras culturas, mas atenho-me apenas a tendência científica de tais narrativas. A religião pode servir como uma forma de encorajamento à ciência, visto que, logo após, os filósofos gregos passaram a tentar compreender a natureza sem o auxílio de ferramentas mitológicas. O problema, no entanto, surge quando a ciência começa a contradizer a religião. Quero, portanto, avançar até a idade moderna, quando a ciência começa a confrontar certezas protegidas pela sociedade e pela igreja católica. Quando Galileu Galilei afirmou que o centro do universo era, na verdade, o Sol e não a Terra, a Igreja mostrou-se extremamente contrária a essa ideia, de caráter científico, que se opunha aos dogmas religiosos que afirmavam o geocentrismo. O debate fez com que outros físicos, astrônomos e matemáticos se dedicassem a comprovar a tese de Galileu, e assim Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Isaac Newton revelaram a veracidade da teoria. Também se mostra um exemplo o biólogo Charles Darwin, que negou o criacionismo, afirmando que os homens surgiram através da evolução, oriunda da seleção natural, de um antecessor primata. Novamente a igreja, tentando proteger valores judaico-cristãos, mostrou-se resistente a essa ideia. Outro exemplo, que não se relaciona às ideias religiosas, e sim econômicas, é o socialismo científico proposto por Karl Marx e Friedrich Engels, que propuseram um sistema socioeconômico oposto ao hegemônico capitalismo. 
O meu objetivo é mostrar que o fator mais importante para o desenvolvimento da ciência trata-se da cultura. É difícil aceitar uma teoria cientifica que contradiz suas ideias morais e religiosas, fazendo com que haja uma aversão ao conhecimento produzido pelas instituições de ensino, o que produz pseudociências.  Atualmente, um exemplo claro dessa resistência é o crescimento de grupos terraplanistas, que negam uma ideia comprovada por Pitágoras no século VI a.C. e defendida por toda a comunidade cientifica de que a terra possui formato esférico. O documentário Behind the Curve (2018) dirigido por Daniel J. Clark mostra como que esse grupo interpreta a produção de ciência como conspiratória, tendo o objetivo de esconder a verdade da população. Os astrofísicos entrevistados no filme, no entanto, percebem que eles falharam, não por sua tese, por não terem conseguido explicar sua ciência para o público, criando um certo abismo entre os produtores de ciência e o povo. Um fenômeno resultante desse distanciamento é a ascensão de ideias de extrema-direita que estamos enfrentando que, como solução de problemas econômicosnegam toda criação cientifica. Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, nega o aquecimento global em favor, por exemplo, das indústrias estadunidenses produtoras de carvão, como afirma o economista Paul Krugman. Jair Bolsonaro, desde sua candidatura a presidente do Brasil, até o atual momento, mostra-se extremamente arisco à ciência, principalmente aos cursos de humanas das universidades públicas. Nessa crise causada pela pandemia de COVID-19, o presidente brasileiro mostrou-se contrário às medidas de isolamento social propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), subestimando o impacto que pode ser causado pela doença e acreditando na cura por medicamentos que ainda estão em análise por diversos especialistas. Todas essas medidas foram tomadas em uma crença irresponsável no neoliberalismo econômico. Ou seja, o maior obstáculo para a ciência baseia-se nos vícios da moral humana. 

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