sábado, 14 de março de 2020

Punir e punir

O direito comporta-se como a ferramenta do Estado para controlar as atitudes de seu povo, e acredito que haja unanimidade em tal afirmação. Desde que os homens começaram a organizar-se em grupos, tornou-se necessário o desenvolvimento de uma ética, que definiria e padronizaria o comportamento de todos. Assim fundou-se o direito, a ciência que busca criar regras e punir aqueles que as infringissem. As regras, obviamente, sempre modificaram-se em razão das mudanças de governo e da sociedade, mas sempre estavam envolvidas na estrutura de poder da nação. Quando Michel Foucault inicia sua obra Vigiar e punir (1975), ele estabelece uma comparação entre os métodos de punição do século XVIII e do século XIX, que mudaram, mas conservaram a essência do direito: o da punição a atos que se desviam na norma de quem exerce o poder.
Ora, o direito serve somente como uma ferramenta de repressão? Acredito que sim, visto que ela segue, assim como muitas ciências, a metodologia cartesiana, que teve sua qualidade discutida no livro de Fritjof Capra chamado O ponto de mutação (1982), que discute se o método desenvolvido por René Descartes ainda pode ser aplicado atualmente. De acordo com Capra, o ponto de vista mecanicista proposto por Descartes não funciona mais atualmente, visto que entendia que a ciência deveria compreender o mundo dividindo-o em partes, e, assim, as isolando e as estudando separadamente. Para o autor, tal visão, apesar de ter sido extremamente importante para o desenvolvimento de todas as ciências, não funciona mais, já que, na verdade, tudo está interligado entre si. Logo, tentar compreender essas partes de forma isolada seria perda de tempo, sendo muito mais produtivo estudar as suas relações.
O direito parece comportar-se como as ciências cartesianas. Os julgados pelos seus crimes são apenas julgados pelos seus crimes, não há um esforço maior para descobrir o que levou a tal ato, mas apenas deseja-se, na atividade investigativa, descobrir o autor do crime e leva-lo a punição. Não, não há uma necessidade de integra-lo novamente à sociedade, porque, se houvesse, o nosso sistema carcerário não seria tão problemático como se observa hoje. Essa necessidade de punição pode ser muito bem observada no discurso de muitos políticos conservadores que, buscando resolução da criminalidade, propõem a instalação da pena de morte. Ou seja, o direito brasileiro trabalha baseado apenas, como afirma Foucault, na vigilância e na punição.
Como livrar-se desse vício cartesiano? O direito precisa de um "ponto de mutação", que deve se basear na mudança do ponto de vista em relação à matéria, porque a aplicação no tribunal não resultará em nada a não ser na superlotação de presídios e de cemitérios. O direito precisa observar os dois elementos existentes nessa relação de poder: o Estado e a sociedade. Não há como alterar essa dinâmica sem que o direito se adeque ao povo. Deseja que a ordem e o progresso sejam cumpridos, então mude a forma de aplicar as leis. Não basta enterrar os mortos e prender os julgados, você precisa resolver os problemas apontados pela sociologia, pela história, pela geografia, pela antropologia, pelas ciências políticas, entre diversos outros. Não tem como resolver essas questões sem resolver todos os conflitos sociais. Não basta punir isoladamente um elemento, precisa resolver os problemas de todo o sistema.

Murilo de Oliveira Botaro
1° Ano Direito Noturno

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