segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Viver para trabalhar

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 30 de agosto de 2018, a licitude da terceirização do processo produtivo, seja meio ou fim. Foi julgada, primeiramente, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e posteriormente, o Recurso Extraordinário (RE) 95825, nos quais sete ministros votaram a favor da terceirização de atividade-fim, enquanto quatro, contra. À primeira vista, vejo duas complicações nessa decisão: de um lado, a posição do colaborador da contratante e do outro, a posição do colaborador da contratada.

Para dar embasamento aos problemas citados acima, utilizarei excertos da obra “Sociedade da Austeridade e direito do trabalho de exceção” de António Casimiro Ferreira, que afirma “(...) a crise tem sido utilizada como mais uma oportunidade de subordinar os trabalhadores individuais, os governos e mesmo sociedades inteiras ao ritmo dos mercados do capitalismo global.” (FERREIRA, 2012, p.14). Esse ritmo dos mercados citado pelo autor demanda do indivíduo uma série de capacitações que o mantem relativamente estável em seu emprego e/ou conquiste que almeja. Isto é, é necessário ao colaborador uma constante qualificação de sua mão de obra, tais quais o domínio de outro idioma, conhecimentos avançados de informática e tecnologia da informação, estudos atualizados do que o mercado exige para a ascensão da empresa e diversas outras qualificações que dão ao indivíduo o necessário para que ele mantenha seu emprego à salvo, porém, principalmente, esteja adaptado ao que Ferreira cita como o “ritmo do capitalismo global”. Essas exigências desumanas põem a pessoa em situação de grande estresse contínuo, prejudicando saúde física e mental, retirando de uma forma abrupta o tempo que esse indivíduo teria para lazer e até mesmo, dormir. Tudo em prol da manutenção do trabalho ou da conquista. Essa questão é citada na obra de Ferreira: “Quanto aos trabalhadores, os sucessivos pacotes de austeridade agravam nas situações de trabalho precário e de fragilidade laboral, evidenciando que a função de pagar a crise recai sobre as pessoas, suas famílias e pensionistas” (FERREIRA, 2012, p.14).

Dentro desse contexto, retorno às prerrogativas iniciais sobre os problemas do colaborador. Com a contratação de uma empresa terceirizada, o colaborador da contratante, que vive sua vida em prol do trabalho para que haja sua adaptação àquilo que o mercado exige, é facilmente substituído por um indivíduo que tem os mesmo conhecimentos que os seus, porém tem um menor custo tanto na contratação como na manutenção, visto que a contratada não possui vínculos empregatícios com o colaborador terceirizado. Isso evidencia que é irrelevante a quantidade de conhecimento que possui ou o quanto se dedica ao trabalho, todos nós, inseridos no mercado global de trabalho, somos facilmente substituídos caso a pessoa que nos substituirá seja mais lucrativa para os donos de produção, resumindo cada indivíduo a um número. Essa pessoa que é substituída tem planos, sonhos e principalmente, sua manutenção no cotidiano comprometida, visto que para tudo o que fazemos ou planejamos fazer, precisamos de dinheiro e para isso, é necessário trabalhar. O resultado disso é um indivíduo revoltado, sem esperanças, doente física e mentalmente e pobre, tornando-se estatística do IBGE como mais um sem emprego, ou seja, permanecendo em sua posição de “número”.

O outro lado do problema é o terceirizado. Sofre das mesmas consequências das exigências do mercado de trabalho, porém com algumas adicionais. Seu salário é muito menor, assim como os custos de mantê-lo com todos os direitos trabalhistas, como férias remuneradas, décimo terceiro salário etc. e com isso, sua segurança no local de trabalho. A empresa contratada é responsável pelo funcionário, não a contratante, portanto se houver algum acidente de trabalho que coloque em risco a vida desse indivíduo, a empresa contratada não arca com nenhuma consequência. Além disso, o indivíduo terceirizado trabalha três horas a mais que empregados contratados, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Isso faz com que haja supressão das vagas de emprego e com isso, o desemprego continua pulsante. Com a terceirização, até mesmo o Estado se prejudica. Há sobrecarga dos serviços e finanças públicas, visto que haverá decréscimo na arrecadação, pois os salários foram reduzidos e com isso, menor poder de consumo fomentando mais ainda a desigualdade social alarmante no Brasil.

A terceirização tem suas desvantagens superando as vantagens. Tanto o empregado contratado quanto o terceirizado são prejudicados com essa decisão, visto que os respaldo que receberão das empresas serão mínimos: um, porque será demitido e o outro, porque não haverá poucos direitos trabalhistas. Essa decisão fomenta ainda mais a desigualdade social do país, diminuindo o poder de consumo, dando menos direitos ao trabalhador e menos tempo para que viva sua vida, fazendo com que só haja cada vez mais “viver para trabalhar” ao invés de “trabalhar para viver”

Lucas Gomes Granero - Direito - Noturno (1° ano)

Referência Bibliográfica: 
FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012. [Cap. 1 – “Introdução”; Cap. 2 – “Do espírito de Filadélfia ao modelo da austeridade”, p. 11-31]. 

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