O racismo é um problema histórico-social-cultural, que
possui suas raízes no colonialismo, e afeta, até os dias de hoje, uma grande
parcela da população negra brasileira. Após a abolição da escravatura, que já
tinha sido tardia em comparação a outras nações, o Estado brasileiro não
ofereceu nenhum suporte aos ex-escravos.
Ainda, com a política de
“embranquecimento”, no final do século XIX, na época da imigração europeia,
principalmente no Rio de Janeiro, que era capital do país nesse período, a
população negra foi “realocada” dos grandes centros, onde já viviam em
condições precárias, para a periferia; e é onde grande parte dessas pessoas se
encontram até a contemporaneidade.
Analogamente, a questão da homofobia
e transfobia também é um problema construído culturalmente. Desde a
disseminação da cultura judaico-cristã, com a assimilação da ideia de que as
práticas sexuais serviam estritamente para procriação, o ato homossexual foi
ganhando novas feições e sendo reprimido pela igreja, que tratava como pecado.
A homotransfobia é classificada
como aversão, repugnância, medo, ou ódio à população da comunidade LGBT a qual,
muitas vezes, gera violência contra as pessoas que se identificam com essa
comunidade.
Em ambos os problemas, essas
populações são marginalizadas, postas à mercê de uma sociedade que as oprime,
física e psiquicamente; e até recentemente, não possuíam nem amparo do Direito.
Foi apenas com a Constituição de
1988, considerada a “Constituição Cidadã”, onde um dos principais pilares é a
garantia dos Direitos Fundamentais individuais, que incluem o direito de
liberdade, de dignidade da pessoa humana e de igualdade, foi possível a busca
pela criminalização dessas questões.
A Lei do Racismo, nº 7.716,
surgiu apenas em 1989 e dita, em seu primeiro parágrafo, que “serão punidos, na forma desta Lei, os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional”, obtendo assim, uma vitória importantíssima
quanto às questões sociais.
Entretanto, a criminalização da
homofobia ocorreu apenas em junho de 2019, e depois do longo processo de
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e do
Mandado de Injunção (MI) nº 4733, tendo o primeiro o Ministro Celso Mello como
relator, e a participação de diversos amicus
curiae.
Foi decidido, por maioria do
Supremo Tribunal Federal (STF), que os crimes de homofobia e transfobia seriam
enquadrados na Lei do Racismo, além de reconhecerem que havia mora legislativa
quanto ao tema.
Se dentro dessa realidade, ainda
é uma luta diária para se poder exercer os direitos de liberdade, igualdade e
dignidade, há de se imaginar a realidade dessas populações minoritárias na
sociedade do século XX.
Sendo uma forma de ilustrar essa
realidade, “Madame Satã” é um filme de 2002 que retrata a vida do transformista
brasileiro João Francisco dos Santos, negro, pobre e homossexual. Sob a alcunha
de Madame Satã, ele tornou-se um dos personagens mais representativos da vida
boêmia e marginal do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, na década de 30.
João se prostituía e vivia em um
cortiço com Laurita, prostituta e sua “esposa”, e a filha dela; no mesmo
ambiente, vivia também Tabu, seu amante infiel. A obra perpassa pelo seu
cotidiano violento e cheio de conflito, culminando em sua carreira como artista,
onde ganhou seu apelido, retirado do filme homônimo dirigido pelo cineasta
americano Cecil B. deMille.
A violência imposta diariamente
sobre ele, aliada ao seu temperamento, fez com que fosse preso diversas vezes
durante a vida. Um dos casos mais emblemáticos, foi o homicídio de um dos
homens que frequentava a casa noturna em que ele se apresentava, depois de uma
discussão entre os dois; gerando uma reclusão de dez anos ao artista.
Essa obra biográfica retrata de forma bastante
concisa a realidade dos negros homossexuais na sociedade da década de 30, tendo
o pensamento dessa sociedade, refletido ainda nos ideais conservadores que nos
últimos anos ressurgiram com mais força, concomitantemente com os movimentos
sociais em prol desses grupos.
Para trazer
essa pauta, foi organizado um cine-debate pelo Centro Acadêmico de Direito na
UNESP/Franca, em que foram convidadas duas integrantes transsexuais do coletivo
Casixtranha.
Por mais que o filme não tivesse
sido abordado como elemento principal, elas conseguiram trazer uma visão de
quem, no dia-a-dia, sente na pele a violência contra as populações negra e
homotranssexual, além de terem trazido dados concretos e assustadores sobre o
tema.
Ademais, foi possível perceber que elas demonstram um "cansaço" em relação a isso, e em muito, elas lembram Madame Satã, como a forma de se expressarem artisticamente, e a linguagem, de certa maneira, violenta. Isso demonstra, mesmo que de forma implícita, uma resposta às violências sofridas e pode ser o único jeito que elas vêem de serem ouvidas nessa realidade.
Ademais, foi possível perceber que elas demonstram um "cansaço" em relação a isso, e em muito, elas lembram Madame Satã, como a forma de se expressarem artisticamente, e a linguagem, de certa maneira, violenta. Isso demonstra, mesmo que de forma implícita, uma resposta às violências sofridas e pode ser o único jeito que elas vêem de serem ouvidas nessa realidade.
Destarte, é possível a reflexão de como essa
população, mesmo com as vitórias quanto as criminalizações, ainda sofre
bastante, apenas por serem quem são. Isso demonstra que ainda há muitas
ideologias que devem ser desconstruídas, para que haja o abarcamento da
pluralidade que são os humanos.
Sendo assim, nós, como estudantes
de Direito, devemos buscar sempre, seguindo os preceitos da Constituição, estar
melhorando a qualidade de vida dessas populações vulneráveis, com a garantia do
exercício de seus direitos, gerando assim, nas palavras de McCain, uma
mobilização do Direito.
Como afirma Audre Lorde escritora
caribenha-americana, negra, feminista e ativista dos direitos civis: "quando falamos, temos medo de que as nossas palavras não vão ser ouvidas ou bem-vindas. Mas quando estamos em silêncio, ainda temos medo. Por isso é melhor falar.". Assim, devemos dar vozes a esses grupos, pois o medo é o princípio da opressão. E quem realmente somos, não pode ser oprimido.
Daiana Li Zhao - 1º ano - Direito Matutino
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