domingo, 1 de setembro de 2019

Valor ambíguo das monoculturas.


É inegável a herança brasileira colonialista. Durante, em média, 350 anos fora um país provedor de produtos primários para a metrópole portuguesa graças à riqueza climática e à fertilidade de seu solo. Sobretudo ao que diz respeito aos climas tropicais e aos tropicais de altitude (área esta na qual destacou-se pela ampla produção cafeeira), o Brasil sempre apresentou certa preponderância competiva no mercado internacional. Ademais, isso não apenas resultou dos potenciais naturais, mas também da estrutura fundiária do país: uma alta concentração de terras nas mãos de grandes latifundiários monocultores. Não por acaso, a porcentagem de produtos exportados brasileiros é extremamente influenciada pelo agronegócio. Sob o crivo do Ministério da agricultura, a agropecuária foi responsável por 22,6% do PIB brasileiro em 2017, produção esta em que o Brasil lidera mundialmente na produção de: café, açúcar e suco de laranja.
Por outro lado, a questão social fundiário teve sua história categorizada por manter o poder e ignorar as classes baixas. Enquanto na potência norte-americana a reforma agrária foi instaurada em 1862 (Homestead Act), o Brasil avança nesse tema em “conta gotas”. Segundo a tabela de 2009 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEES)
Tabela elaborada pelo DIEESE a respeito da estrutura fundiária no Brasil ¹
Como é possível observar nos dados da estrutura fundiária brasileira, a maior parte dos estratos de área – 42,5% – encontra-se concentrada em 0,8% de imóveis, que apresentam uma área média de 6.185 hectares. Por outro lado, 33% dos imóveis apresentam uma área equivalente a 1,4% dos estratos de área ocupados, o que equivale a uma área média de apenas 4,7 hectares. 
Tendo isso em mente, passo a dissertar acerca do “agravo de instrumento  da décima nona câmara cível n° 70003434388”. Nesse caso ,os desembargadores decidiram em maioria indeferir o pedido de reintegração de posse de um área de 3 hectares (30 000 m2)  ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). Ao passo que estruturei a relação fática, torna-se evidente a complexidade do problema. A luz de Sarah Araujo, as relações do direito contemporâneo seguem traços colonialistas, estabelecendo uma “linha abssal” entre o interesse das potências o desenvolvimento do sul (conceito de Boaventura de Souza Santos da epistemologia do Sul: hierarquia estabelecida entre os conhecimentos valorizados- norte- e o silenciados -sul). Dessa forma, o mecanismo de domínio, segundo a autora citada alhures, engendra-se por monoculturas metonímicas, isto é, elementos que expurgam qualquer proatividade cultural e epistemológica do sul. Dentre às 5 monoculturas por ela citadas, a do saber jurídico implanta uma hierarquia classista  em que os grupos dominantes (nesse caso os latifundiários brasileiros) apresentem maiores instrumentos de atuação.  Por outro lado, a monocultura da produção implanta a subserviência do país do sul na tutela produtiva mundial. No entanto, o Brasil vice hoje como uma potência do agronegócio. Portanto, não é fortuito justificar que chancelas internacionais que barram produtos brasileiros e fortalecem mercados nacionais existam, como possíveis exemplos: o caso da proibição da laranja brasileira no EUA em 2009 e da proibição da carne brasileira no mercado europeu em 2018.
Extraído toda a ambiguidade da questão, tomo como fundamental interpretá-la à luz do objetivo do Estado de Direito Brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Nesse caso, destarte, torna-se fundamental silenciarmos a monocultura do saber jurídico que supõe o direito à propriedade como absoluto. Ademais, a ocupação do MST foi de uma área na qual o notório saber local categorizava-a como improdutiva e os documentos inseridos nos altos apresentavam a possibilidade de alteração temporal (redigidos anteriormente ao fato). Mesmo ressaltando a monocultura da produção do norte que busca quebrar com o desenvolvimento latifundiário brasileiro, é mister pontuar que a área apresenta metria insignificante ao montante da propriedade, cabendo ao proprietário o ônus da prova.


Nenhum comentário:

Postar um comentário