domingo, 1 de setembro de 2019

O eurocentrismo transfigurado em um campo jurídico elitista: a influência no Direito das exclusões abissais do global ao local


O Agravo de Instrumento nº 70003434388/2001 refere-se ao caso da ocupação da propriedade de Plínio Formighieri e Valéria Dreyes Formighieri por integrantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. No processo em questão, houve pedido de reintegração de posse indeferido e, portanto, houve o agravo de instrumento que, ao final, também foi improvido. Na afirmação dos proprietários, a propriedade era produtiva, apresentando, assim, como provas: certidão de propriedade da área, escritura pública de divisão amigável, boletim de ocorrência, certificado de cadastro de imóvel rural, declaração de ITR do exercício de 2.001, e comprovação de recolhimento do ITR, entre outros documentos.

No julgamento do agravo, participaram três desembargadores, de modo que dois deles votaram pelo indeferimento e um deles pelo deferimento. Mário José Gomes Pereira, desembargador revisor da ação – que optou pelo improvimento –, sustentou seu voto majoritariamente na função social da propriedade, ressaltando de diversas formas toda a atenção e complexidade a que os proprietários deveriam ater-se para o cumprimento desse preceito, justificando, dentre diversos argumentos, a sobreposição do bem estar social ao bem estar individual, a interpretação da propriedade não mais como apenas um direito fundamental, mas também um dever fundamental, a partir da manutenção da dignidade humana, da erradicação da pobreza e da marginalização, e a devida atenção à Constituição Federal, visto que esta garante o direito à propriedade desde que esta cumpra sua função social adequadamente.

Relacionando, então, o caso ao texto da professora Sara Araújo, percebe-se que Analogamente às exclusões abissais presentes no contexto global, que partem do eurocentrismo e da cabal desvalorização de toda a ciência epistêmica oriunda do sul, os interesses da elite social, no contexto capitalista, são sobrepostos aos da classe marginalizada – reflexos de ideais burgueses desde a escola iluminista; no caso em questão, é claro o abismo social ao se colocar em dúvida qual dos seguintes pressupostos deve ser considerado: a dignidade da pessoa humana ou o direito à propriedade. Ademais, inúmeras argumentações em defesa dos proprietários baseiam-se na simples ideia de: se a eles pertencem a propriedade, conquistada por “seu esforço”, por que cabe a outrem o questionamento da legitimidade de sua posse? Adota-se, então, o princípio de igualdade de todos perante a lei sem distinção, sem se levar em conta se essa igualdade tão friamente discutida é materialmente estabelecida, isto é, esquece-se das diferenças de oportunidade e da colossal discrepância dos “pontos de partida” nas mais diversas classes sociais ao se afirmar que o MST não age exatamente conforme a lei, incluindo, então, a ocupação de propriedade no rol de afrontas a todo o ideal global baseado no atrevimento literal à lei.

Além disso, Sara afirma que a “monocultura jurídica despreza os direitos locais e os universos jurídicos que regem formas de produtividade não capitalistas e classifica como irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas as formulações jurídicas não modernas”, ratificando a ideia de que aquilo que não se mostra produtivo, relevante economicamente ou um meio de ascensão e manutenção do capitalismo é descartado e considerado uma apologia ao antissistema, logo, questiona-se na conjuntura  atual: de que importa a função social de uma propriedade cuja produtividade é extremamente elevada?


Turma XXXVI - Matutino

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