domingo, 1 de setembro de 2019

A vivacidade do Direito diante das Epistemologias do Sul.


  O estudo da ciência jurídica proporciona uma visão histórica sobre as finalidades e os formatos do Direito para diferentes sociedades, ainda que, como levantado pela doutora em Direito Sara Araújo, o projeto jurídico tenha sido elaborado e racionalizado pela modernidade. Essa perspectiva investigativa do Direito através do tempo se relaciona com o posicionamento de Sara em seu texto "O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos e desafiar o cânone.", uma vez que o conhecimento sobre a organização social desde as rígidas regras de comportamento da Lei de Talião até a concretização dos Direitos Humanos no Direito Internacional auxilia na compreensão do Direito como ciência viva na contemporaneidade. Assim, percebe-se a importância da integração de experiências históricas e atuais na construção e na utilização de um Direito renovador e real, isto é, aberto à realidade e às exigências da diversidade de situações e do pluralismo de ideias e condutas, quebrando com padrões civilizacionais reforçados por um Direito apático e repleto de cânones universalizados. 

  Tendo em vista o caráter de adaptação na perspectiva histórica do Direito anteriormente relatada, afirma-se o conceito tratado pelo sociólogo Pierre Bourdieu de autonomia relativa do Direito, o qual é continuamente provocado e engendrado pela sociedade e suas condições históricas particulares. Sendo assim, ao destacarmos o mundo prático e real do Direito é possível relacionar os conceitos de Sara e de Bourdieu em um Agravo de Instrumento de 2001 da 19º Câmara Cível do Rio Grande do Sul relatado pelo Desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior, cujo julgamento versava sobre o indeferimento de reintegração de uma propriedade rural após entrada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esse agravo encontra grandes questionamentos tanto em seus aspectos jurídicos quanto em seus reflexos sociológicos ao confrontar as realidades sociais da economia capitalista e dos direitos fundamentais do ser humano.

  Como visto no texto do agravo, a reintegração levanta questionamentos sobre a conceituação da Função Social da Propriedade e seus reflexos na economia e na sociedade, observando os efeitos da entrada do MST em terras latifundiárias improdutivas. Essa mudança no modelo de utilização da terra pelo MST faz com que a propriedade deixe de servir para a economia de exportação de soja, milho e trigo, provocando uma ruptura no padrão civilizacional explorado por Sara Araújo e seu estudo sobre a persistência do colonialismo e do imperialismo no Brasil atual em um contexto de "etnocentrismo epistemológico" voltado para a universalização dos cânones e das razões do Norte e o consequente silenciamento das especificidades do Sul do globo terrestre – sendo tal argumento baseado na teoria das Epistemologias do Sul de Boaventura de Sousa Santos. Isto é, o colonialismo pautado na dependência de uma economia periférica de agro exportação deixa de ser reforçado a partir da entrada do MST e de sua atividade voltada para o abastecimento agrícola da economia interna brasileira com um uso mais ecológico e consciente da terra. Além disso, como visto no Relatório do agravo, casos como esse comprovam a necessidade de adaptação do Direito à sociedade, situação ilustrada pela alteração na Constituição de 1988 da Função Social da Propriedade, a qual passou a ser mencionada não apenas como fator econômico e social, mas como garantia fundamental do cidadão brasileiro, demonstrando as novas necessidades das especificidades jurídicas brasileiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário