segunda-feira, 2 de setembro de 2019

   Atualmente, no Brasil, a questão agrária é um dos conflitos mais relevantes no cenário político, jurídico e econômico. Ademais, a economia brasileira é essencialmente balizada no modelo de agroexportação e tal produção é feita nos grandes latifúndios herdados da época colonial. Além disso, a concentração fundiária na mão de poucas famílias vem gerando muitos problemas no campo e principalmente a violência entre os detentores de terras e os pequenos trabalhadores rurais. 
  Este agravo de instrumento foi interposto por Plínio e Valéria Formighieri contra a decisão judicial que indeferiu a liminar reintegratória de posse de sua fazenda no Rio Grande do Sul, essa que em 15 de outubro de 2001 fora invadida por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terraque é um dos principais movimentos sociais do Brasil, lutando pelas questões do trabalhador do campo e principalmente pela reforma agrária brasileira que através da invasão de terras improdutivas tenta atrair atenção ao movimento. 
  Outrossim, foi negado por 2 votos a 1 o provimento a este agravo de instrumento e mantida a decisão recorrida, os argumentos utilizados para justificar a não reintegração de posse foram, entre outros, principalmente a necessidade de demonstração da função social da propriedade e a garantia dos preceitos e objetivos constitucionais fundamentais da Republica Brasileira, como a erradicação da pobreza e da marginalização e bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. Assim, o latifundiário que não cumpre a função social da terra desequilibra o convivo social e desafia o sentimento de justiça das populações marginalizadas campesinas. Essa posse ilegítima ameaça a ordem jurídica e configura um desrespeito a dignidade humana e o direito básico de possuir a terra do trabalhador rural.  
   De acordo com a tese de Sara Araújo, tal decisão foge da tendência típica de um direito eurocêntrico e monolítico, predominante na contemporaneidade, que é um instrumento de reprodução do colonialismo, promovendo exclusões e reduzindo as possibilidades de evolução e progresso no ambiente rural, além disso o monolitismo do direito é discutido pela autora no que ela chama de “razão metonímica”, que significa a racionalização do conhecer/normatizar própria de um local como algo que se dá de forma universal, o que acontece em outros países não deve ser aplicado como norma universal, principalmente no hemisfério sul que destoa totalmente das condições dos países desenvolvidos, e ainda mais no setor rural.
  Tal prevalência dessa razão metonímica pode ser observada na monocultura do universal e do global – tudo que é local ou particular é invisibilizado pela lógica da escala global, ou seja, a exportação prevalece sobre a agricultura familiar – e na monocultura da produtividade – todo o outro conhecimento é invisibilizado. Assim, “associada às ideias de racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, a linguagem jurídica moderna assume, pois, um papel fundamental na legitimação do modelo dominante, colonial e capitalista, difundindo uma alegada “ordem natural” ¹.
  Por fim, para permanência de decisões jurídicas que contrariem o cânone almejando a justiça social e a redução das desigualdades, é necessária uma ecologia de direitos e justiças que possibilitem a inclusão na discussão política universos jurídicos marginalizados e classificados como inferiores, locais, residuais ou improdutivos e que reconheça a pluralidade. “Se a justiça social global depende da justiça cognitiva global e se esse objetivo envolve um exercício de ecologia de saberes que combate o desperdício da experiência, exige, também, um exercício jurídico epistêmico que permita o reconhecimento da pluralidade jurídica e dos seus significados políticos sem sobrepor diferença e desigualdade.” ²

¹- Araújo, Sara. O primado do direito e as exclusões, abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n°43, set/dez 2016, p. 93.  ² - Idem, p. 90. 

Gabriella Natalino - Direito Matutino 

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