segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Dialética do Direito: a legitimidade das mobilizações sociais em também instituírem suas réguas

   A raiz do conceito “direito” é expressa no latim como “directus”, termo indicador de retidão: normas predeterminadas, dotadas de força coercitiva e determinantes de norma agendi (regulamentação de conduta) e sanctio (sanção). Dada a matriz histórica do sistema jurídico, a problemática que surge é: a quem cabe a legitimidade de impor sua régua como parâmetro de mediação de condutas expetáveis? 

   O ordenamento do Direito trata-se de uma produção de normas – sejam elas leis, princípios, regras ou costumes – historicamente ligada aos donos do poder, e, também, conectada de maneira intrínseca à estruturação econômica capitalista, no qual, portanto, há uma satisfação legislativa em conferir estabilidade aos processos hierárquicos já existentes.

   Mediante a fundação teórica dos Estados Democráticos de Direito, torna-se constitucional a premissa de um poder emanado pelo povo pautada no princípio basilar de garantir direitos e liberdades fundamentais que assegurem a dignidade da pessoa humana. Com o protagonismo transladado para os cidadãos, mobilizar o direito e ser agente político passa a ser sinônimo de exercer a atividade democrática. O Direito passa a apresentar a possibilidade de ser permeável a uma diversidade de réguas, tornando dinâmica a dialética jurídica: a antítese, reiteradamente marginalizada pela síntese, passa a mobilizar – em diminutos, mas cruciais passos – a agenda das políticas públicas.

   Dada a constante recusa institucional do Congresso Nacional em se ater às demandas sociais de grupos minoritários, os Tribunais passam a ser vistos como único órgão capaz de ser permeável às demandas sociais dentro do universo dos espaços dos possíveis. É nesse contexto que se insere a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) n. 26 de 2019 impetrada pelo PPS (Partido Popular Socialista, atualmente denominado Cidadania), instrumento que confere pertinência temática à criminalização da homofobia.

   O Brasil, romanticamente definido como o “país da diversidade”, trata-se de um membro fixo e convidado “de honra” no ranking daqueles que mais matam a LGBTQI’s, denotando forçosa invisibilização material da comunidade mencionada. Com seus direitos e liberdades fundamentais regularmente subtraídos, somado à negligência do Poder Legislativo – mesmo diante acúmulo de recursos simbólicos, e um Executivo que excita e legitima discriminações atentatórias, o Direito mostra-se como alternativa única de proteção aos preceitos constitucionais, compreendendo os iguais em suas igualdades, e os desiguais em suas desigualdades.

   Michael W. McCann, ao centralizar a ação dos tribunais na mobilização do direito pelos próprios sujeitos políticos, confere a importância da ação coletiva em imergir em uma estrutura essencialmente burguesa a fim de lutar por processos judiciais que aumentem a equidade, limitem hierarquias e contribuam tanto para a justiça formal quanto para a justiça social.

   A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (do Parlamento) n.26 denota visão caleidoscópica pelo STF, ou seja, demonstra a possibilidade de uma visão fractal pelo Poder Judiciário em reconhecer desmobilizações, mas ainda em ser um órgão permeável a avanços de esfera social. O PPS, bem como todos os demais grupos mobilizadores de ações contra homofobia e transfobia, apropriaram-se de caminhos jurídicos, transformando estes em instrumentos estratégicos, e, ainda, utilizando o Direito como um poder constitutivo de edificações sociais, ou seja, trata-se de um ordenamento que também modifica identidades coletivas, podendo avançar sob aspecto de quebrar as correntes conservadoras determinantes da LGBTfobia.

   A justificativa dada para a criminalização da homofobia e determinação de inconstitucionalidade de entendimentos (ou omissões) contrárias ao exposto, foram fundamentadas segundo a determinação de todos os tipos de racismo como atos delituosos e expressões discriminatórias que atentam contra direitos e liberdades fundamentais. Vale notar que os votos favoráveis à criminalização, utilizaram-se de interpretações epistemológicas que adequam a raça como mera construção social, um dispositivo político de manifestações de poderes que se impõem contra grupos somente pelo fato de existirem, dado que, segundo análises de ciências biológicas, não há qualquer tipo de diferenciação fenotípica entre pessoas: todas são seres humanos e devem ser social e juridicamente reconhecidos como tal.

   A expansão do rol de direitos punitivistas, de fato, não seria o melhor caminho para reparar a existência problemática de LGBTfobias, tendo em vista que o sistema carcerário no Brasil é bastante taxativo quando aos caracteres que estão fadados ao aprisionamento. A melhor via seria aquela que atacasse tais crimes em suas raízes estruturantes, por meio de processos educativos e asseguramento de direitos fundamentais dos homoafetivos. Entretanto, quaisquer expressões didático-pedagógicas que adentrem as bagagens conservadoras de nosso Estado são fielmente reprimidas, cabendo à previsão da lei e à mobilização do Direito serem ouvintes de vozes que são constantemente abafadas.

Vitória Garbelline Teloli - 1º Direito (noturno)







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