quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Criminalização da LGBTfobia: visibilidade ou punitivismo ineficaz?


O Artigo 5º, inciso XLI da Constituição Federal Brasileira prevê que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Em 2013, o Deputado Federal Roberto João Pereira Freire, do PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão que demandava a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, alegando que tal acolhimento pelo STF corresponderia a um ato de dirigismo constitucional, justamente pelo conteúdo contido no mencionado art. 5º XLI.
A Ação alega responsabilidade civil do Estado Brasileiro em indenizar pessoas vítimas de homofobia e transfobia, considerando que haveria uma proteção deficiente por parte do poder legislativo, o qual se recusava a votar projeto de lei para criminalização deixando as temáticas LGBT no que Freire considera um limbo deliberativo. Desta forma, a argumentação da Ação reside na necessidade de ação contra majoritária do Judiciário, alegando que o Legislativo estaria negligenciando as demandas da minoria parlamentar em favor de uma maioria déspota. Assim, o princípio democrático estaria sendo ferido e o Judiciário teria o dever de fazer jus à supremacia constitucional, garantindo o direito às liberdades fundamentais e à não discriminação das pessoas LGBT.
A problemática, que tem como causa valores culturais, religiosos e sociais fortemente penetrados na construção histórica da organização social brasileira, está, através de tal Ação, buscando solução em âmbito penal. A obra McCANN, Michael. “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários” serve como base para o que está sendo aqui discutido. A mobilização do direito como estratégia política é ideia central do texto, e nesta Ação se tem exemplo clássico de tal manifestação. Questiono, no entanto, se a criminalização visaria o efetivo combate ao preconceito, com a ideia de McCANN de que a passagem de determinados temas no tribunal se expressaria como ganho de força e legitimidade às questões sociais, ou se tal ação resultaria, na prática, em um aumento da população carcerária e alimentação do ciclo ineficaz da pena privativa de liberdade no Brasil.
McCANN nos faz pensar que o Judiciário teria o poder de traçar às pessoas uma ignição para ação política, à medida que o espírito da lei penetra no seio da sociedade, até mesmo nas classes mais baixas. Entretanto, há que se considerar que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com alto índice de reincidência, superlotação nas penitenciárias e ineficácia de projetos de reinserção social. Quando a este último aspecto, contraponho a ideia de McCANN a respeito do poder legal de legitimar ou deslegitimar determinadas condutas e o fato concreto de que o sistema prisional no Brasil apenas reforça a inserção das pessoas no universo criminal e negligencia o oferecimento de perspectivas de vida fora do crime no pós cárcere.
Diante deste cenário, considero que o problema da LGBTfobia não seria resolvido dentro do ambiente inquestionavelmente hostil das prisões deste país. Sabe-se, inclusive, que os índices de estupro contra homossexuais nas cadeias é alto, e que não há qualquer política do conscientização das problemáticas preconceituosas nem em esfera do cárcere, e muito timidamente na esfera social fora dele. 
Pontuo ainda que há um seletivismo penal no Brasil, que encarcera principalmente jovens negros e de baixa renda. Sabe-se que a LGBTfobia não é exclusiva de determinado grupo social, mas há uma naturalização da intocabilidade das classes mais altas, que muito provavelmente não teriam suas ações LGBTfóbicas criminalizadas (como já te tem exemplo de manifestações públicas de preconceito por parte de políticos, e não houve responsabilização judicial por isso). O Estado tem, portanto, uma política exclusivamente punitivista, e não se faz presente em atuações de base como educação, saúde e lazer que culminariam em uma conscientização social de respeito à diversidade. Considero assim a criminalização uma medida de culpabilizar pessoas que nunca sentiram a presença do Estado para sua proteção, e que vem, à posteriori, encarcerá-las, mostrando assim sua presença. A questão da LGBTfobia deve ser discutida em âmbito escolar, familiar e não pode mais ser negligenciado pelo Sistema Legislativo. Além disso, considero a urgência de se repensar o sistema prisional e as políticas de reinserção social das pessoas encarceradas.
Carolina Juabre Camarinha. Matutino

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