domingo, 29 de setembro de 2019

Bom e justo para todos

          Ulpiano, um grande jurista romano, afirmou já em sua época: ut eleganter Celsus definit, ius est ars boni et aequi. Através dessa sentença, o Direito dotou-se do caráter de uma arte do bom e do justo. É diante disso que - ainda na contemporaneidade, sabida a enorme influência romana no Direito brasileiro - tais preocupações devem (e procuram) ser mantidas no mundo  jurídico. Porém, o bom e o justo são intrínsecos ao contexto histórico e social que se tem em vista, cabendo aos profissionais do ramo extraí-los da realidade em voga e contemplá-los no mundo das normas.
          Michael McCann, diante dessa necessidade de constante atualização do direito, aborda  em seu texto intitulado "Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários" a importância crescente dos tribunais no processo supracitado. É nesse sentido que é afirmado em sua obra que "a decisão dos juízes vem ganhando peso sobre um amplo conjunto de questões, como no tratamento das minorias raciais, étnicas e sexuais" (p.175). Ao longo da obra, são expostos os diversos papéis que os tribunais podem assumir diante da necessidade do direito mobilizar-se em vista da sociedade, sendo que algumas delas serão relacionadas com a problemática-chave dessa publicação: a criminalização da homofobia.
          Em 19 de dezembro de 2013, foi elaborada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão pelo Deputado Federal João Pereira Freire em face do Congresso Nacional, com o objetivo de obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, diferenciando-as da legislação relativa ao racismo. Como forma de esclarecimento da temática, segue abaixo um trecho redigido pelo Deputado Federal na ADO 26: 

"(...) impondo ao Congresso Nacional a criminalização específica das ofensas (individuais e coletivas), agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima para garantir que não seja inviabilizada materialmente a cidadania e/ou não sejam inviabilizados os direitos fundamentais à segurança (proteção eficiente) e à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, pois temos aqui típica opressão da minoria pelo despotismo da maioria parlamentar que se recusa a efetivar esta absolutamente necessária e obrigatória criminalização específica, decorrente de imposição constitucional (pela ordem: art 5º, XLI, XLII ou LIV - proibição de proteção deficiente)." (p.1)

        Ao serem usados na Ação termos como "banalidade do mal homofóbico" (p.3), "má vontade institucional do Parlamento Brasileiro" (p.1) e "omissão inconstitucional" (p.4), pode-se atribuir a este assunto a ideia de influência estratégica e poder relacional dos tribunais, a qual foi redigida por McCann. Segundo o autor, "a ação do tribunal pode tanto alterar quanto reafirmar o status preexistente das partes, fornecendo, assim, um recurso importante ou 'fichas de negociação' que determinam o resultado do conflito" (p.187). Dessa forma, é possível inferir que, frente à morosidade que paira a tomada de qualquer decisão nesse âmbito pelo Congresso Nacional desde o ano de 2001, há atribuição das referidas fichas de negociação que, nesse caso, impedem qualquer desfecho legal do conflito.
          Em somatório a isso, no caso aqui tratado, pode-se considerar que a atuação do tribunal como catalisador de uma mobilização, também prevista por Michael McCann, não ocorre no tratamento legal da homofobia no Brasil. No país, ocorre o contrário do que o intelectual pregava como função exercida pelos órgãos judiciais em determinadas situações: não há aqui o aumento de relevância na agenda pública, privilégio de partes ou criação de oportunidades para que estas se mobilizem. Na problemática em vista, as decisões judiciais não estimulam outros tipos de ação pública e política (vide pág.186).
          Portanto, é totalmente cabível relacionar os dizeres do autor a esse processo de tentativa de se criminalizar a homofobia e transfobia no Brasil. McCann afirma de forma certeira que o resultado dessa crescente atribuição de poderes aos tribunais "é um sistema com um altíssimo número de demandas, com longos períodos de atraso na resolução dos conflitos e com respostas muito particularizadas e formalizadas que carecem de orientação e coerência" (p.193).
          Fica-se ainda esperando o devido tratamento legal para essa causa dotada de tantos malefícios à sociedade brasileira. As agressões por homofobia e transfobia devem cessar, tal qual a discriminação e as ofensas: a criminalização específica desses atos é sim imprescindível.
        
Marco Alexandre Pacheco da Fonseca Filho - 1º ano Direito Diurno


          

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