domingo, 15 de setembro de 2019

As facetas do fenômeno da judicialização

O magistrado francês Antoine Garapon e a professora alemã Ingeborg Maus discorrem em seus escritos a respeito do fenômeno mundial da judicialização. Um exemplo concreto do tema abordado pelos escritores é a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, que visava dar interpretação conforme os princípios constitucionais ao artigo 1.723 do Código Civil de 2002. Por votação unânime os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram ampliar a interpretação da legislação que reconhece como família a união de homem e mulher e conforme as bases da Constituição de 1988, reconheceram a união estável de indivíduos do mesmo sexo.
Tal decisão representa a atual demanda da sociedade em relação à atuação do poder judiciário em questões que anteriormente não eram abrangidas pelo campo do Direito. Garapon utiliza o conceito de magistratura do sujeito para explicar essa transferência da dependência dos indivíduos em relação a seus "magistrados naturais" (como pai, padre, chefe etc) para as decisões dos togados.

“'Em que consiste esta função? O juiz deve
colocar-se no lugar da autoridade faltosa para
autorizar uma intervenção nos assuntos
particulares de um cidadão.” (GARAPON, p. 150)

A partir da magistratura do sujeito, os juízes passam a exercer cada vez menos a função arbitral e cada vez mais sua função tutelar, dado que as decisões judicias tutelam cada dia mais aspectos morais e individuais da vida do sujeito, como a própria união de casais homoafetivos.
Maus também trata das demandas sociais, a crise de representatividade do poder legislativo e a judicialização, mas alerta sobre o risco de discricionariedade e concentração de poder nos tribunais. À medida que os magistrados são responsáveis por decisões tão importantes, os poderes Legislativo e Executivo, eleitos pelo povo, são enfraquecidos. Há a sensação de que os tribunais podem estabelecer  qualquer interpretação para as leis já escritas, justificando o risco apontado pela autora.
Em contrapartida, a atuação cada vez mais presente do poder judiciário representa a possibilidade de avanços significativos, principalmente para as minorias que não têm suas necessidades atendidas pelas normas positivadas, como foi o caso da ADI 4.277 que reconheceu o direito dos homossexuais e tantas outras que foram importantes para vincular resoluções que simbolizam o progresso da nossa sociedade.


Mariana Paz F. Puentedura
Matutino

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