domingo, 15 de setembro de 2019

Análise e Comentários da ADI 4.277 à Luz de Garapon e Maus


   Em Maio de 2011, chegou ao Supremo Tribunal Federal uma das mais importantes e marcantes Ações de Inconstitucionalidade, a ação número 4.277, a respeito do reconhecimento jurídico de uniões homoafetivas. Sob a relatoria do ministro Ayres Britto, os votos foram unanimemente favoráveis ao reconhecimento, além da participação de diversos amicus curiae para a conclusão da decisão.

   Iniciando com o seguinte trecho do voto do ministro Luiz Fux, muitos dos pontos se esclarecem: “Se o Direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se configura possível que a interpretação faça deles tábula rasa”. Partindo de tal raciocino, fica evidente que como já sabido, desde a antiguidade o direito acompanha as transformações axiológicas, criando assim legislações/normas para a disciplinação dos acontecimentos já postos.

    Logo, tendo em vista a reincidência do tema na contemporaneidade, com toda a pluralidade presente, a busca para que a união estável homoafetiva fosse disciplinada igualmente ás héteroafetivas é mais que um “grito”, tardio, diga-se de passagem, para uma igualdade material, para a desconsideração do status weberiano, com princípios como: igualdade, dignidade da pessoa humana, bem como, autonomia individual e segurança jurídica.

   Constitucionalmente previstos em conjunto ao Art. 226, parágrafo 3°, tais princípios devem ser interpretados de maneira emancipatória, com a devida hermenêutica de suas proposições, uma vez que como dito por Cappelletti, Garapon e o próprio ministro Barroso no processo, “juízes não desempenham uma atividade puramente mecânica” de reproduzir leis, mas sim devem atribuir sentido, preencher lacunas.

   Então, eis que podemos compreender a reflexão acima á luz de Antoine Garapon, principalmente quando ele trata a justiça como sendo aquela que deve “apaziguar o molestar do individuo sofredor moderno”, que pode ser compreendido como a chamada minoria, neste caso os casais homoafetivos em busca de direitos básicos, para possuírem mais certezas e previsibilidades, nada mais que a busca pelo direito “Sub Judice”, o direito de ser quem são, com os devidos aparatos jurídicos necessários.

   Assim como a exposta na ADI em questão, existem inúmeras lacunas. Assim, essa demanda democrática não suprida pelo Legislativo acaba caindo no Poder Judiciário (é importante ressaltar que em relação a essa forte atuação do judiciário atualmente, interpretando ideais do Barroso, é algo necessário e não uma atuação dos juízes ao bel-prazer). O autor ainda diz que tal fato se da pelo abandono das condutas expectáveis no mundo normativamente idealizado, passando a analisar caso a caso proporcionalmente.

   Desse modo, com a chamada por Habermas de “juridificação da sociedade”, há uma maior necessidade da atuação de juízes para intervir nos conflitos e prezar pela manutenção dos princípios e máximas constitucionais. Assim chegamos aos conceitos: “Transformação do homem pela democracia” e “Magistratura do sujeito” de Garapon, diretamente relacionados a isso, explicitando que agora os indivíduos escapam de seus magistrados naturais e passam a ser tutelados pelos estatais.

   Eis a questão de Garapon acerca da “justiça se ver intimada a tomar decisões" em meio a uma sociedade “preocupada e desencantada”, aonde a questão de reafirmação da juridicidade das normas fundamentais iriam além da perspectiva subjetiva, também orientando funções de várias áreas, como a legislativa, administrativa e judiciária, sob a interpretação do conceito de “mais-valia jurídica”, presente no voto do ministro Fux, do autor José Carlos Vieira de Andrade, que nada mais é que “Estímulos sociais para o judiciário expandir o seu próprio campo de ação” dito por Ingeborg Maus.

   Tendo como base esses princípios sociais provocando o Judiciário, sob a perspectiva de Maus, é possível interpretar que se deve ter cautela, pois a autora diz que “Quando a Justiça ascende, ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social”, necessário e ao qual toda instituição de Estado deve se subordinar, para manter a estrutura democrática.

   Por fim, em relação a ADI  4.277, mais do que proporcional, a decisão a favor foi coerente e justa, pois interpretando o artigo 1.723 do Código Civil juntamente á princípios constitucionais presentes no inicio do texto, e como o mencionado pelo relator a respeito da “não intervenção estatal na autonomia de constituição familiar”, não permitir tal reconhecimento seria desconsiderar a hermenêutica, ignorar princípios constitucionais básicos, e legitimar condutas preconceituosas, discriminatórias e segregacionistas que impedem o desenvolvimento social.


Letícia E. de Matos
1° ano - Direito Matutino 


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