sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A mobilização do direito frente à inércia legislativa do Congresso Nacional

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) é a ação pertinente na justiça para demandar que o Poder Legislativo realize a tarefa de editar norma regulamentadora a qual a Constituição Federal o obrigou a fazer, mas ele ainda não o fez — este fenômeno jurídico de descumprimento da Constituição é denominado “inconstitucionalidade por omissão”. A ADO tem, portanto, o propósito de provocar o judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma.

Sendo o Supremo Tribunal Federal (STF) o “guardião da Constituição”, cabe a ele, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, julgar questões sobre o parâmetro da inconstitucionalidade. Nesse sentido, o Tribunal julgou a ADO 26, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS).

Com o propósito de corrigir a inércia do Poder Legislativo, o PPS requereu ao STF que este obrigasse o Congresso Nacional a editar uma norma que proteja as pessoas homossexuais e transexuais, e que puna discriminação e preconceito por razões de orientação sexual, tal qual o Congresso fez com os crimes relativos à discriminação por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.

Como efeito, o STF, por maioria, reconheceu parcialmente a ADO. Consoante o inciso XLI do art. 5º da Constituição, que disserta que a lei “punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, o Tribunal reconheceu o estado de mora inconstitucional do Poder Legislativo em editar uma norma contra a homotransfobia; além de enquadrar homofobia e transfobia como racismo, mais especificamente “racismo social”, nos termos do inciso XLI (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei) e da Lei 7.716/89 (“serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”) até o Congresso Nacional editar legislação autônoma. 

Dessa forma, o sentido da expressão “raça” foi ampliado, mediante interpretação constitucional, de maneira a abranger atos tidos como homofóbicos e/ou transfóbicos.

Sobre o contexto dessa ADO, o ministro Ricardo Lewandowski declarou durante seu voto que: 


“[…] os tribunais tornaram-se instituições sensíveis aos reclamos de grupos sistematicamente excluídos da esfera política, contando com o apoio — explícito ou implícito — dos atores políticos, os quais, ao transferir sua responsabilidade para as instituições judiciais, evitam sua responsabilização política por decisões impopulares” (2019, p. 9)


E é a partir dessa perspectiva de ação coletiva que Michael McCann discute o seu conceito de mobilização do direito. De acordo com McCann, a “[…] mobilização do direito se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores”  (2010, p. 182) e é por isso que os tribunais são importantes de tal modo que se tornaram poderosos nos regimes políticos, posto que eles se constituem como o cenário no qual os cidadãos e organizações se engajam.

Em suma, frente à inércia legislativa do Congresso Nacional, “[…] opções e recursos estratégicos e até objetivos são, em certa medida, fornecidos pelo direito e pelas instituições que o aplicam” (Galanter, 1983, p. 119) e, por isso, “a lei é mobilizada quando uma necessidade ou desejo é traduzida em uma reivindicação de lei ou afirmação de direitos legais” (Zemans, 1983,  p. 690-703). 

Thayná Roque de Miranda - Matutino

BIBLIOGRAFIA

LEWANDOWSKI, Ricardo. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, de 13 de junho de 2019. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMAM.pdf>. Acesso em: 26 de setembro, 2019. Brasília, 2019, p. 2-19.
McCANN, Michael. Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção Especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª. Região/Emarf, 2010, p. 175-196.
ZEMANS, F. K. Legal Mobilization: The Neglected Role of the Law in the Political System. American Political Science Review, n. 77, 1983. p. 690-703.
GALANTER, M. Reading the Landscape of Disputes: What We Know and Don't Know (and Think We Know) about our Allegedly Contentious and Litigious Society. UCLA Law Review, n. 31, 1983, p. 4-71.

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