domingo, 15 de setembro de 2019

O fenomeno da judicialização no cenário brasileiro


     Foi julgado em 2011, no Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade No 4.277, que versava sobre o reconhecimento da união homoafetiva como instituto jurídico. O art. 1.723 do Código Civil diz que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher. Ademais, o reconhecimento do direito à preferência sexual recai no princípio da dignidade humana, do direito à autoestima, do direito à busca da felicidade, e da autonomia da vontade, sendo a união homoafetiva como entidade familiar um importante passo jurídico não expressamente abarcado nos textos normativos. Por unanimidade, apesar de algumas declarações em alguns votos acerca da função do próprio judiciário em tal decisão, a Corte decidiu pela procedência do pedido.
     Pode-se traçar um paralelo entre o julgado e o tema tratado pelos autores Antoine Garapon e Ingeborg Maus, a respeito da judicialização da política. Este é um fenômeno político-social, e que vem acontecendo desde os anos 90. O “protagonismo” dos tribunais não é simplesmente uma vontade desses de se tornarem um “superergo” da sociedade, como diz Maus. O sistema de justiça é provocado, quando as políticas públicas não se efetivam e não se movimentam devidamente, não suprindo as demandas e anseios da sociedade, como o direito do acesso à saúde, afetividade paterna, dispor livremente de sua identidade de gênero, etc. Assim, os indivíduos se libertam de seus “magistrados naturais”, sendo aqueles considerados os “primeiros”: a família, a igreja e a escola, como assim define Garapon. Mas em contrapartida, essa maior autonomia do indivíduo o faz ficar à mercê do controle do juiz e da tutela do Estado.
     Garapon também trata da “magistratura do sujeito”, sendo a ideia de que cada sujeito reivindica para si um tipo de tutela não contemplada na justiça, como se a lei geral fosse incapaz de apreender a diversidade de valores e realidades, tornando-se legislador de si mesmo. Assim, o poder do juiz seria a de interiorização da norma e de se colocar no lugar da autoridade faltosa -senadores e deputados federais- para intervir nas particularidades dos cidadãos, e não apenas se manter como um poder corretor. Contudo, o Legislativo não “foge” da resolução de temas importantes como esse, sendo muitas vezes uma ação por inação, pois está focando em outros assuntos de também importância e relevância social. No entanto, uma articulação entre o judiciário e o legislativo é muito difícil, e por isso o magistrado procura pensar o futuro do Direito e acaba por intervir e decidir sobre determinadas questões morais, o que às vezes extrapola suas próprias competências e seu devido campo de ação. Não tem  como imaginar um judiciário neutro, afirma Maus, pois a dinâmica social se modifica o tempo todo, mas é necessário verificar se esse protagonismo não se revela uma falsa democracia; um “paraleviatã”.
     Por fim, é de suma importância a reflexão sobre os limites de atuação dos três poderes, para que não seja recorrente a exorbitação de um sobre o outro. Além disso, a sociedade precisa amadurecer e colocar temas como esse em discussão; ela deve ser ouvida e se colocar politicamente, para que o legislativo crie modificações, os problemas sejam gradativamente resolvidos e as lacunas preenchidas. Essa é uma construção histórica, e tanto o Direito quanto os Tribunais contribuem para com isso.  No entanto, apesar de casos como a ADI No4.277 demonstrarem como essa interpretação não limitante do próprio texto constitucional e seus princípios pode acarretar avanços normativos e mudanças sociais extremamente positivas e necessárias, é também preciso lembrar que a judicialização pode vir a ser algo danoso à democracia, uma vez que não há um controle pré-estabelecido do judiciário.

Raquel Colózio Zanardi – 1o ano Direito matutino 

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