segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A AVENTURA SULISTA

É curioso observar como o pensamento sociológico pode ser segregador.

As sociedades são sempre divididas entre 'nós e eles', 'norte e sul', 'europeus e o resto'... Sara Araújo nada mais faz que nos dividir ainda mais. Crava seus argumentos preconceituosos no seio da população brasileira, como se fossem todos indefesos aborígenes frente aos desmandos de uma metrópole européia. Ignora o fato de que o Brasil caminha com suas próprias pernas há mais de dois séculos, ainda que dentro de um contexto globalizado. Omite o fato de que o Brasil imperial foi relativamente rico e pujante, com grande importância internacional nos campos científico e econômico. O que fez nosso país sair do caminho do desenvolvimento para claudicar entre as nações pobres do planeta não pode ser explicado simplesmente por submissão às "monoculturas".

A cultura brasileira está inserida num contexto "do norte" pelo fato de que fomos colonizados sim por europeus. Obviamente nossos costumes são derivados da Europa, assim como a feito na maioria dos países ocidentais. A divisão norte e sul encerra um preconceito da autora em relação ao pensamento europeu: Austrália está tão ao sul quanto o Brasil, mas possui uma cultura muito mais europeizada; Estados Unidos foram colônias escravagistas tanto quanto o Brasil, mas estão classificados como "norte opressor e colonialista cultural". Claro está que a visão da autora nada mais faz que tentar justificar o atraso social do Brasil com uma suposta imposição de que o melhor seria o conhecimento europeu. Mas nada é mais artificial do que tentar enxergar o brasileiro como um povo autóctone.

Essa "rebeldia" corrobora com excrecências jurídicas como a que vemos no julgado da reintegração de posse da Fazenda Primavera. O proprietário no exercício regular de seu direito de posse se vê esbulhado por um grupo de malfeitores guiados por uma entidade que sequer existe no plano jurídico (artimanha esta utilizada justamente para jamais figurar como endereço da ação estatal). O pensamento monolítico europeu ocidental obviamente resguardaria o exercício do direito do proprietário, reintegrando-lhe a posse da terra. Mas a "epistemologia do sul", considerando os saberes locais e desparoquializando o Direito brasileiro, enxerga interpretações peculiares do disposto na Constituição Federal para dar razão aos invasores, supostamente propugnando pela efetivação da função social da propriedade rural.

A reforma agrária é uma necessidade no país e o governo vem sendo omisso em relação ao tema. Mas isso não autoriza o cidadão a "fazer justiça com as próprias mãos", através da invasão de propriedade.

Vivemos numa enorme sociedade com mais de 200 milhões de habitantes. Como esperar desenvolvimento se a Carta Magna da nação pode ser interpretada volitivamente de acordo com contextos individualíssimos? Como fica a segurança jurídica (conceito nortista, mas fundamental para a unidade do Estado)?

Quando vamos abandonar essa visão de que "social" é a atenção ao indivíduo singular em suas necessidades particulares? Quando passaremos a enxergar que nada faz mais pelo social que o desenvolvimento econômico de um país? Uma grande propriedade rural pode fazer muito mais pelo social do que a agricultura de subsistência. Enquanto a primeira produz riqueza, gera empregos e paga impostos, a segunda perpetua o ciclo de pobreza da vida rural de subsistência.

Não podemos esquecer que o estágio de evolução científica da sociedade atual é decorrente da hegemonia das epistemologias do norte. Se hoje a maioria da população brasileira tem o que comer e vive até seus 75 anos de idade, é porque o pensamento positivista, ordenado e regrado eurocêntrico permitiu que a sociedade evoluísse.

Podemos fazer melhor? Talvez. Mas antes de nos lançarmos à aventura de "des-pensar" os dogmas eurocêntricos, devemos garantir um mínimo de ordem para não voltarmos à barbárie. E deixar a decisão de quem cumpre a função social da propriedade aos auspícios de uma pseudo-entidade que sequer tem personalidade jurídica, é arriscar voltarmos aos primórdios da humanidade, em que a força era o fiel da balança.

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