domingo, 15 de setembro de 2019

A falta de autodeterminação

15 de novembro de 1894
  “Todos esperam que agora tudo vai melhorar com o Prudente de Moraes. Eu sempre digo a meu pai que não pode entrar na minha cabeça que tenha alguma influência para nós aqui na Diamantina mudança de presidente. Meu pai diz que tem toda, que o governo é uma máquina bem organizada e que o presidente sendo bom e fazendo bom governo beneficia o Brasil inteiro e chega até aqui para nós. Eu lhe disse que só poderia acreditar nisso se o presidente mandasse canalizar nossa água e consertar nosso calçamento”.
MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Ed. Schwarcz. (p. 195)

   Assim como os pais de Helena acreditavam ser tutelados pelo novo governo da época, o autor Antoine Garapon explica a tutelarização e os paternalismos, caracterizados pelo apego às tradições e, consequentemente, pela invenção de autoridades que visem protegê- las. A sociedade fragilizada e desigual torna os sujeitos submissos, os impedindo de aprender, como Garapon diz que deveriam, a discernir o limite entre o que pode ser permitido e o que eles não querem que seja, gerando a chamada “tolerância sob medida”
   A indiferença quanto às escolhas de cada um se extinguiu. Logo, os parâmetros morais são deduzidos de um comportamento social padronizado, generalização fortemente criticada pelo autor analisado. Refletida na democracia atual, essa moralização causa um sério comprometimento dos vínculos familiares, por exemplo, uma vez que colabora com o afastamento dos indivíduos. Os comportamentos familiares se diversificam, o que é atestado pelo número crescente de uniões livres. O francês, ao reforçar que o preço do individualismo é a própria tutelarização, entende que os problemas originados por essa hiperjurisdicionalização invadem as vidas dos cidadãos como um todo.
   Dito isso, é possível discutir a ADI 4.277, cuja pretensão baseava se em extensão do regime jurídico das uniões estáveis às relações duradouras entre pessoas do mesmo sexo. A única diferença entre eles e casais hétero sexuais reside na definição legal. Garapon entende que o direito se “empenha em explicitar as normas sociais, transformando em obrigações positivas o que era, ainda ontem, da ordem do implícito, do espontâneo”. Essa ideia é  muito coerente com o caso, visto que “a união homossexual, em nossos dias, é uma realidade de elementar constatação empírica” como diz o ministro Ricardo Lewandowski.
   Destaco esse voto pois ele resume de modo satisfatório pensamentos comuns dentre os outros juristas presentes, sendo que o judiciário entendeu seu dever de:" exigir o devido enquadramento jurídico dessas relações que são fundadas no afeto, na busca da felicidade, no respeito e desenvolvimento pessoal de seus integrantes.” Assim, concorda com Garapon no quesito de autodeterminação, segundo o qual cada cidadão passa a ser seu próprio legislador, devendo prever as conseqüências sociais de seus atos já que são capazes de governar a si mesmos com prudência. Porém, as pessoas procuram tão incessantemente por uma “segurança moral”, que se interessam mais pelo direito positivado do que pelo bem estar dos cidadãos.
      Os sujeitos são constantemente condenados a interiorizar normas de comportamento, frutos do grande controle do Estado, caracterizando a "magistratura do sujeito". Entretanto, quando o STF julga por unanimidade procedente as presentes ações diretas de inconstitucionalidade para que sejam aplicadas às uniões homo afetivas, percebe- se a compreensão da lógica improdutiva do proibido- a qual é ineficiente- como também a capacidade da lei geral de apreender a diversidade de valores. Na perspectiva Garaponiana, a sociedade deve se adequar a novos princípios a cada situação. Repressão é incapaz de eliminar a intimidade entre essas pessoas  e o bom senso mostra que a justiça não deve utilizar seu poder para tanto.  Há esferas que necessitam de maior atenção: a canalização da água, o calçamento, dentre tantas outras.

Laura Filipini Noveli
1o ano- Direito Matutino

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