sábado, 31 de agosto de 2019

Pluralismo Jurídico: esse é o caminho.

Ao analisar o julgado do Agravo de Instrumento Nº CRSJ 70003434388/2001, onde se discutia a procedência ou não de uma liminar que autorizaria uma reintegração de posse antes de julgar o mérito da ação. Acontece que todo o embate teórico, visto em cada voto dos desembargadores seguiram em torno de como interpretar a finalidade da FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDAE, ou seja, esta norma contida em nosso ordenamento jurídico diz o quê?
Ocorre que no julgado três desembargadores votaram, sendo que dois foram contrários a concessão da liminar o DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JUNIOR (RELATOR) e o DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA (REVISOR); Pautados em uma visão social da norma que regulamenta a desapropriação da terra, junta-se ao   motivo de que a terra não estava sendo aproveitada como deveria, razão pelo qual ensejou a invasão pelo MST, de forma lógica, poderia sim a propriedade ser melhor aproveitada por aqueles que estavam ocupando a propriedade naquele momento.
De todo o exposto, a conclusão é única. Não há mais como se vedar, ao Juiz, a investigação acerca da função social da propriedade, quando se vê o Judiciário diante de conflitos agrários como o ora em pauta. Sustentar o contrário, a meu juízo, significa negar vigência ao próprio Texto Maior, submetendo-o a garrote de norma processual que tem por finalidade, exatamente, dar efetividade ao direito material, jamais impedir seu exercício. E isto é violar a lei. (pag. 10).
Um mandado de desocupação liminar, sem que os trabalhadores sem-terra tenham previamente citados, a Polícia embalada com fuzis e a resistência dos invasores – eis o estopim das tragédias que têm banhado de sangue, sempre dos desprotegidos, o meio rural brasileiro.” (Caderno Direito e Justiça, Correio Brasiliense de 6/11/95). (pag. 21).
O voto favorável à concessão da liminar coube ao DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA, que alegou “que justiça célere é que, talvez, busquem os sem-terras. Mas não adianta buscar uma justiça célere que não traz justiça, ao não serem observados os princípios legais e constitucionais vigentes, viciando, de nulidade absoluta, qualquer tentativa de descumprimento da Ordem Social”; Entendo que com um linguajar próprio do judiciário e uma interpretação da norma totalmente positivado e engessado acabou por opinar pela invisibilidade do movimento dos sem-terra, sendo assim, acaba por gerar injustiça.
Não há dúvidas de que os invasores são sem-terras, do Movimento denominado MST – não reconhecido oficialmente como Associação de Classe ou algo assemelhado -, e que pretendem a reforma agrária a qualquer custo. Mesmo que para isso tenham que invadir áreas rurais, cujos proprietários estão a cultivá-las. 
Não há dúvidas de que os sem-terras não estão à procura de um melhor aproveitamento da propriedade privada, mas sim querendo usar o esbulho possessório como meio político de obrigar os Governos Federais e Estaduais a tomarem uma atitude desapropriatória de terras, para resolver a tão almejada reforma agrária e urbana. (pag.29) 
Lamentável que tenhamos julgadores com esse tipo de interpretação, vez que o pedido ainda não alcançava a esfera de mérito, somente tinha o caráter de liminar.
Em uma visão utópica, ainda nesse julgado a decisão foi favorável; Visto que, a regra de julgados como este trás a contemplação dos mais privilegiados em detrimento dos menos favorecidos. A impressão que se tem é que quando o tema evolve o social deve-se ter um pouco mais de cautela ao analisar os critérios do direito, pois nota-se que o jurídico em suas linhas gerais vem a tempos afastando e excluindo aqueles mais necessitados. Mesmo dentro de uma linguagem jurídica a impressão que se tem dos nossos juristas é que se alguém em seus votos for a favor do viés social este passa ser discriminado dentro de sua classe.
Ao confrontar o julgado com o texto da autora Sara ARAÚJO, fica claro o entendimento que o pluralismo jurídico existe e ele é quem legitima e estrutura o nosso ordenamento, opiniões e entendimentos pautados em linguagens e técnicas jurídicas que ao dizer o direito acaba por criar verdadeiros abismos em nossa sociedade.
Sara ilustrou essa distância social dizendo que o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre dois lados “o norte e o sul”, deixando a sociedade de uma maneira desigual e tornando estes invisíveis dentro de uma universalidade global.
A autora associa às ideias de racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, a linguagem jurídica moderna, esta legitimando o modelo de dominação colonial capitalista, espalhando e chancelando uma ilusória ordem natural. Destaca a autora ainda a importância da questão da linguagem jurídica, pois ainda que estejamos imbuídos de cede de mudança não há outro meio de estabelecer pontes, sem que os termos sejam definidos pelo direito.
O pluralismo jurídico é então proposto como instrumento conceptual de uma ecologia de direitos e de justiças que pretende não só reconhecer a pluralidade, mas criar pontes de diálogo que permitam promover aprendizagens jurídicas recíprocas entre o Sul e o Norte, ampliando o horizonte de possibilidades políticas.
Voltando ao julgado não há como deixar de verificar que a decisão atendeu o espirito do legislador que estabeleceu desde a constituição de 1916, a ideia da função social da propriedade, ou seja, produzir e ter uma finalidade especifica, ora mais de 100 anos se passaram e nossos tribunais ainda insistem em proteger os mais ricos e os latifundiários e acabam por fechar os olhos para as desigualdades existentes em todos os lugares do nosso pais.
Espantoso ver que ainda nos dias de hoje temas como a FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, carece de toda uma interpretação subjetiva, pois nossos legisladores sempre voltados para temas ligados ao capitalismo moderno acabam por esquecerem-se do povo brasileiro.
Diante desse cenário cabe a todo futuro operador do direito à responsabilidade da transformação, inspirados por um pluralismo jurídico no qual o desejo de igualdade social dentro de uma ecologia do saber possa transcender para a ecologia jurídica e quem sabe, talvez possamos assim fazer ou contribuir para um equilíbrio social com o objetivo de estreitar o abismo existente entre o sul e o norte.

EMERSON DA SILVA REIS
DIREITO XXXVI (DIURNO)

Nenhum comentário:

Postar um comentário