sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Os reis vestem toga.


Em um cenário atual, a ação contante de nossa suprema corte não parece estranha. Exercendo o papel da supremacia hermenêutica, o tribunal é capaz de modificar sumariamente regras da própria convivência individual graças ao principal valor constitucional brasileira: um rol gigantesco de direitos e deveres que passam por contradição. Pierre Bourdieu, não por acaso, ao estudar sobre a tutela do direito em cortes europeias (origem francesa do pensador) chega em um ponto em comum: o poder simbólico do direito. À luz desse ideal, Bourdieu critica a tentativa do direito tomar para si autonomia, uma vez que a gênese dessa "ciência" é das relações de forças sociais externas: 

"... a tentativa de Kelsen para criar uma <<teoria pura do direito>> não passa do limite ultra-consequente do esforço de todo o corpo dos juristas para construir um corpo de doutrinas e de regras complementares independentes dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o seu próprio fundamento." (Bourdieu, Pierre pg. 209 "O poder simbólico").
Dessa forma, o conceito do pensador deixa claro que o direito deve estar distante da valorização própria como um "fim em si mesmo", uma vez que sua formação é social. 
Ademais, vale ressaltar a crítica do pensador ao valor meramente lógico/ a priori que apresenta capacidade de legitimar um corpo judicial extremamente hierarquizado: 
"...lógica positiva da ciência e da lógica normativa da moral, portanto, como podendo impor-se universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética... Mas, por mais que juristas possam opor-se a respeito de textos cujo sentido nunca se impõe de maneira absolutamente imperativa, eles permanecem inseridos num corpo fortemente integrado de instâncias hierarquizadas..."(Bourdieu, Pierre pg. 213 e 214 "O poder simbólico").
Tendo os ideais em mente, volto a discussão sobre o STF e ressalto sua atuação na ADPF 54. Nesse caso, a corte julgou o caso da interrupção da gravidez caso o feto seja diagnosticado com anencefalia. Ao decorrer do evento, deixou-se evidente a relação simbólica do poder nas mãos dos ministros. Enquanto os representantes da sociedade e o advogado da causa participaram brevemente da cerimônia, os ministros proferiram longas sentenças, nas quais não apenas o direito entrava em discussão, mas também valores morais, éticos e filosóficos. Travestidos de provedores de certa lógica simbólica, os magistrados defenderam, em sua maioria (8 dos 10) a antinomia entre a constituição, no que tange ao seu rol de direito fundamentais: a vida, a saúde, a autonomia e entre outros. No entanto, o papel de levantar tais pontos é exclusivo do legislador ao prover modernização da norma. A ação do STF impôs certo grau de autoridade à um tema que não o coube, nesse ponto cabe ressaltar a ideia de Bourdieu da relação de poder dentro do judiciário:
“Há, pois, um efeito próprio da oferta jurídica, quer dizer, da <<criação jurídica>> ... com o esforço de grupos dominantes ou em Ascenção para imporem ... uma representação oficial do mundo social que esteja em conformidade com a sua visão do mundo e seja favorável aos seus interesses".(Bourdieu, Pierre pg. 248 "O poder simbólico").
Tendo isso em mente, o voto dos ministram estariam recheados da opinião pessoal e dos interesses individuais. Assim, uma corte composta por 10 pessoas substitui a ação do legislativo composto por mais de 500 representantes eleitos. 
Portanto, mesmo eu pessoalmente concordando com a desumanidade da proibição da proibição do aborto em caso de anencefalia, devo imperar meu argumento Bourdieuano sobre a carência do direito em atuar em si mesmo. Nesse sentido, devo apontar como medida alternativa um valor fundamental do direito que se perdeu ao longo de sua história: a mediação. É papel, assim , do STF não medir esforços para passar tal temática para discussão em plenário do congresso e do senado devido à sua autonomia apenas ser fruto de valores simbólicos de dominação.

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