sábado, 31 de agosto de 2019

A contraposição do Direito


Em 2001, o Tribunal de Justiça -RS, recebeu um recurso de Plínio Formiguieri e Valéria D. Formighieri, a respeito de uma reintegração de posse da Fazenda Primavera negada pelo então Tribunal, contra Loivo Dal Agnoll e outros indivíduos -pertencentes ao Movimento Sem Terra (MST)- vencedores do processo em que declarava o não cumprimento da função social da terra, por parte dos proprietários. Esse argumento está embasado na questão de a região, por mais produtiva que fosse avaliada por aqueles que possuíam a propriedade, estava sem uso. Nesse sentido, é possível depreender a contraposição da ecologia dos saberes frente a essa requisição negada, quando relacionado com a autora Sara Araújo, em seu texto sobre essa separação entre um direito do Norte e do Sul.
A comparação realizada pela Araújo destaca que o direito dominante no mundo contém uma ideologia do Norte, ou seja, países que compreendem que o seu entendimento das normas jurídicas deve ser estabelecido como parâmetro do que é certo e errado no direito, como forma de padronização dessa ciência. No caso, é perceptível que a predominância desse tipo de interpretação traz à tona uma escolha de defender-se a propriedade por influência de um entendimento capitalista e burguês do valor econômico da terra.  
Contudo, verifica-se uma contradição a respeito do recurso executado por esses donos da propriedade, em questão na necessidade de revisão da justiça em relação a reintegração de posse, visto que, como bem cita  Desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior em seu voto, o artigo 5º da Constituição Federal destaca que todos os homens e mulheres são iguais perante o ordenamento jurídico, sendo que incisos desse artigo defendem certos direitos, entre eles à propriedade. Portanto, agregado a esse fator, dentro do tópico há o destaque para a função social da terra -significado de uso daquela propriedade para diversas atividades, como plantações, moradia e comércio.
Dentro disso, a escritora destacou o conceito de “epistemicídio”, compreendido como a aniquilação de interpretações do direito provenientes do Sul -o direito marginalizado- para afirmar que o direito atual é global, e por isso, procura a universalização. Contudo, existe uma contradição neste argumento dado que essa busca por generalizar é uma estratégia para exercer a dominação frente aqueles que não pertencem a epistemologia do norte, e com isso, além da incitação da monocultura do saber, a avaliação jurídica será influenciada por uma visão do direito que não corresponde a todas realidades sociais. Acrescentando nesse assunto, é de conhecimento público que o conflito agrário está presente especialmente nos países que tem uma cultura de grandes latifúndios, por esse motivo, é fundamental frisar a necessidade de um poder judiciário responsável em enfrentar situações problemas que existem no país, a partir de um entendimento do direito coeso e justo em relação aos direitos e deveres das partes envolvidas.
Logo, a interpretação do Tribunal a respeito de uma não reintegração de posse aos fazendeiros, visto que mesmo tendo direito a propriedade, ela eximia sua potencialidade. Portanto, está em legalidade com a norma fundamental e o contexto de vida da população, deste jeito, os pertencentes do grupo MST morando e produzindo tanto para sua subsistência quanto para uma possível venda de produtos excedentes, e com essa postura, há uma utilidade da terra que exerça sua função frente a sociedade.

Sarah Fernandes de Castro -Direito/noturno

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