domingo, 5 de maio de 2019


Conversa de bar de um cidadão de bem
Como costumeiramente faço aos sábados, levantei-me já pelo adiantado da manhã, vesti-me com uma muito confortável bermuda do meu glorioso Santos Futebol Clube, e assim, parti rumo ao bar que sempre se mostra um excelente terapeuta, pois é no bar que tentamos esquecer as agruras que nos afligem durante a semana, é neste mesmo ambiente sagrado que buscamos alento para seguir na labuta na semana que há de vir.
Assim dirigi-me ao estabelecimento do Sr. José para os ritos semanais. Passadas as bravatas iniciais que pontuam as idas ao nobre espaço, os cumprimentos aos demais frequentadores e provocações acerca do futebol, assunto que mais permeia as conversas de tal ambiente, as reflexões sobre como fora o clima durante a semana passada e demais amenidades que são costumeiras em uma bodega; sentei-me a uma mesa ao canto e pedi uma cerveja.
Logo comecei a degustar minha cerveja coloquei-me a observar os demais, buscando, pelos fiapos de suas conversas, entender, mesmo que superficialmente, a mente dos que frequentavam o ambiente da bodega. Alguns comentavam sobre seus times, uns de maneira mais apaixonada outros com sendo sarcásticos para inflamar a ira dos apaixonados; uns falavam sobre as dificuldades que o país enfrentava, sobre como a quantidade de pessoas em situação de rua vinha aumentando.
Neste contexto, percebo a conversa entre dois senhores que discutiam sobre como as pessoas vinham agindo nos últimos tempos em relação a sensação de violência, um defendia vigorosamente que os populares deviam se proteger, me pareceu ser um entusiasta da posse de armas de fogo, e do que muito ocorre ultimamente, os inúmeros justiçamentos populares.
Enquanto o outro senhor, bem mais moderado, se mostrava contrario a estes posicionamentos de seu interlocutor, lhe dizia que a todas as situações deveria se analisar todas as partes, que a ponderação era melhor que o arrependimento.
Com o decorrer da discussão outros frequentadores emitiam suas opiniões acerca do assunto, em sua grande maioria favoráveis a o processo de justiça com as próprias mãos defendidas pelo por um dos interlocutores, o que me levou a refletir sobre um texto já lido de Durkheim, onde este explica que a força do coletivo é o que condiciona as inúmeras formas de agir, ou seja, se um individuo defende os processos de justiçamento outros que também pensam assim se manifestam em apoio e temos então uma turba que pensa de maneira idêntica, mesmo que não sejam capaz de chegar aos extremos se fossem racionalmente inquiridos sobre.
O que nos leva a utilizar Durkheim em relação a analise de uma sociedade que casos de justiçamentos tem se tornado cada vez mais frequentes? Pois, para este pensador, a punição de crimes a ser exemplos para que outros não os cometam é característica das sociedades pré-modernas, que vivem em uma situação onde as regras não cabem para a solução dos problemas ou inexistem regras, chegando a uma situação de anomia, a total ausência de regras.
É obvio que vivemos em uma sociedade complexa, discrepante e inúmeras vezes injusta, contudo, a meu ver, por mais que vivamos em uma sociedade assim, com todas as suas peculiaridades ainda não chegamos em uma situação de completa anomia. Pois, entendo que as sociedades modernas tem se tornado cada vez mais orgânicas, ou seja, tem buscado a solução das demandas de seus membros da maneira mais eficiente e rápida possível.
O que é possível compreender desta cena que presenciei é que talvez as soluções que antes se antecipavam ou vinham de maneira mais rápida, não tem sido de maneira eficiente para os demandantes, o que faz com que surjam figuras e discursos como estes, colocados como a virtuosa alternativa à “politica”, mesmo sendo mais do mesmo mas que ganha um espectro diferente por possuir um discurso popular, e ainda carregados de uma logica imediatista e irrefletida, que se utiliza da ciência jurídica como uma valquíria punitiva, punindo pobres e marginalizados pelo sistema.
Pois bem, muito divaguei, o desenrolar desta pequena historieta é que o senhor comedido acabou sua cerveja, se despediu dos demais e foi embora, os outros logo se envolveram em outros assuntos e bravatas características de bares.
Quanto ao que defendia energicamente os justiçamentos e penas mais duras, ao ir embora pude notar um adesivo em seu carro escrito “Bolsonaro 2018”, o que foi o suficiente para elucidar para mim o posicionamento do tal indivíduo. E a única coisa que posso dizer é, tenho um enorme receio dos chamados “cidadãos de bem”, pois estes gostam mesmo é de linchamentos públicos e violência estatal.

Cassiano Mendes Cintra   Direito Noturno

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