Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
segunda-feira, 1 de abril de 2019
Racionalismo mecanicista: uma visão de mundo ultrapassada
Na Idade Média, o mundo encontrava-se predominantemente subjugado pelo obscurantismo, o povo era privado do conhecimento e condicionado à uma realidade de pouca percepção em relação ao que estava à sua volta. Entretanto, com a passagem para a Idade Moderna, apareceram Descartes e Bacon trazendo ao mundo novas formas de encará-lo: o primeiro com seu racionalismo fundamentado em um eterno estado de desconfiança e o segundo em um exercício empírico rigoroso. A natureza e a sociedade passaram a serem vistas como uma máquina, um relógio que se pode desmontar e reduzir a um monte de peças que, ao serem analisadas, tornariam o conhecimento palpável.
Entretanto, apesar de ter sido extremamente revolucionária, tal percepção da realidade tornou-se limitada. Ver o mundo como uma máquina pode ter sido útil para a superação dos obstáculos de 400 anos atrás, mas hoje, com a grande diversidade de ideias e o surgimento de novas barreiras, essa visão objetiva não é nada além de ultrapassada. Como foi dito no filme "Ponto de Mutação", a realidade não é um relógio desmontável, é um sistema extremamente profundo e plural que relaciona todas as coisas.
Infelizmente, esse esclarecimento sobre a situação não é compartilhado por todos e tal visão mecanicista continua tendo relevância na formação de conhecimento e na tomada de decisões importantes. É necessário entender que nossas vidas não são objetos isolados que podem ser vistos de forma objetiva como se fossem máquinas, elas são parte de uma estrutura muito mais complexa e integrada que envolve a natureza, seus fenômenos, as experiências de cada indivíduo e as relações dele com o que está a sua volta.
Dessa forma, pode-se entender que o que antes era a solução para os entraves da sociedade, agora é o problema. Tal visão abriu margem para que pensamentos problemáticos e soluções imorais para crises que seguem uma lógica simplista e mecanizada de perdas e ganhos se proliferassem. Um exemplo categórico foi o Fascismo, que surgiu como uma resolução ideal para a questão da crise que a Itália enfrentava e a maioria de seu povo, sem olhar para a realidade como um sistema integrado e encarar os problemas que tal regime iria trazer para aqueles que destoavam de seus ideais, aceitou sem muita reflexão.
Analisando historicamente, o Fascismo italiano, em teoria, teria sido superado. Entretanto, a conjuntura social e filosófica que criou o ambiente propício para o seu surgimento não. Tal movimento intolerante foi reconfigurado e ganhou um novo rosto: o neofascismo. Essa continuação, diferentemente de seu antecessor, não é mais sobre a luta contra uma classe operária em busca de uma ditadura do proletariado e contra liberalismo desenfreado, ela encontrou sua nova forma no ódio contra aqueles que lutam por direitos mais igualitários e no discurso moralizante e incoerente dos grupos economicamente liberais e moralmente conservadores. Na contemporaneidade, esses grupos opositores aos ideais fascistas não querem eliminar o capitalismo, querem reformá-lo para que ele atenda não só a classe dominante, mas toda a sociedade.
Hoje, assim como na década de 20, a intolerância e o desespero por uma solução objetiva que colocaram o fascismo no poder ainda se manifestam. De fato, a realidade é outra, não há o perigo de uma revolução de esquerda e nem um Estado nacionalista buscando enfrentar as potências dominantes. Entretanto, a intolerância mobilizando massas que pregam o conservadorismo reacionário continua presente. Ainda somos uma sociedade que não se preocupa com o bem estar geral seguindo uma tendência liberalista sedimentada em uma ideia utópica de que os indivíduos possuem iguais oportunidades para se desenvolverem. Ainda somos uma sociedade que não encoraja a prevenção de seus problemas e sim a intervenção quando eles se mostram verdadeiros empecilhos. E continuaremos sendo até que entendamos que esses problemas são apenas fragmentos de um bem maior: a visão de mundo que temos.
Nesse sentido, é preciso afirmar que os pensamentos de Descartes e Bacon não devem ser condenados, apenas precisamos reconhecer suas limitações para superarmos os entraves que impedem o surgimento de uma ciência que consiga acompanhar a evolução do mundo com suas particularidades. Assim como Thomas Jefferson disse, é tolice uma sociedade se apegar a ideias ultrapassadas em novos tempos como é tolice um homem tentar vestir suas roupas de criança. É necessário uma nova forma de visão de mundo que nos ajude a escapar do fascismo e de outros problemas causados pelo excesso de racionalismo mecanicista e individualizante. É necessário que a realidade seja reconhecida pelo que ela realmente é: um sistema de conexões interligado que contempla todas as coisas em seus mais diversos ângulos.
Victor A. Lopes - Direito Noturno
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