terça-feira, 2 de abril de 2019

A crise progenitora é a crise de percepção.

O filme Ponto de Mutação (1990) dirigido por Bernt Capra adapta a obra homônima de Fritjof Capra. A história se dá em um diálogo entre um candidato a presidência derrotado, um poeta e uma física na cidade histórica de Saint Michel. Cada um com sua perspectiva de mundo, os personagens debatem sobre política, filosofia e ética. Em determinado momento Sonia e Jack debatem sobre a visão cartesiana que envolve a classe política, segundo a física é comum no meio a ideia de se dividir a verdade em pequenas partes para compreendê-la, ela afirma que essa visão vem desde Descartes e do que ela chama de mecanicismo, que baseados na ideia que os seres humanos e a natureza funcionam como maquinas os políticos acreditam que podem fragmentar e juntar as impressões advindas do mundo, a cientista por outro lado propõe uma visão unificada, mais abrangente.

A história política nos mostra que movimentos políticos de caráter Fascista ou análogos ao mesmo raramente tiveram adesão da maioria da população, especialmente nos seus ideais como um todo. Na Itália os Fascistas foram bem votados no parlamento, mas só atingiram o poder de fato quando forçaram o rei Vitor Emanuel III a nomear Mussolini primeiro ministro por meio da demonstração de força na marcha sobre Roma. Na Alemanha, o partido Nazista oscilava sua adesão de forma inversamente proporcional a estabilidade política alemã, crescendo em momentos de crise, em 1932 o partido conseguiu uma forte presença no parlamento, mas mesmo assim não conseguiu eleger Adolf Hitler para a presidência, que foi nomeado primeiro ministro e após isso solidificou seu poder por meios não institucionais. Cenários parecidos são percebidos no Franquismo na Espanha e no Salazarismo em Portugal.A questão é que embora não tivessem apoio geral, esses movimentos intitulados “populistas de extrema-direita” sabiam usar o cenário de crise econômica e política para propor ideias que teriam maior aceitação popular e a partir disso a sociedade era manipulada a abraçar, cegamente, os ideais mais nefastos do movimento. Mussolini por exemplo cresceu politicamente no Fascio de Combate que em 1920 praticamente não tinha doutrina política definida. Dizia Mussolini: "Não temos uma doutrina pronta; nossa doutrina é a ação!". No fascio se encontravam socialistas, sindicalistas, intelectuais militares e nacionalistas, que tinham pouco em comum, mas se encontravam em um desejo que soube ser usado por Mussolini: Que a Itália voltasse a ter o protagonismo que tivera no império romano na antiguidade, por isso os símbolos usados (como o próprio fascio) remetiam ao período. Na Alemanha Hitler usou principalmente um antigo sonho alemão, anterior a unificação, o Pangermanismo, ou seja, a unificação de todos os povos germânicos no mesmo pais, o que incluiria a anexação da Áustria, dos Sudetos e do “corredor polonês”. Esse mesmo desejo acabou resultando no começo da segunda guerra com a invasão da Polônia, embora grande parte do povo alemão fosse contrário a uma nova guerra.

Toda essa recapitulação histórica mostra que o advento de movimentos Fascistas é fortalecido pela tentativa, comum na política de tentar encontrar a peça certa que se deve concertar primeiro, na medida que se ignora que todos os problemas são frutos de uma grande crise. Os italianos ignoraram toda a possível crise advinda de um partido autoritário no poder em busca de um desejo de melhores condições, os alemães ignoraram os pensamentos, já públicos, de Hitler em busca de um governo que reagisse as imposições feitas a Alemanha pelo Tratado de Versalhes. As pessoas tentaram consertar a “primeira peça” e no processo compraram toda uma máquina quebrada. Porém, é possível criticar as pessoas que fizeram essas escolhas? Será que é justo criticar um alemão buscando a reconstrução de seu país ou um italiano buscando direitos trabalhistas? A questão se torna ainda mais complexa quando percebemos que esse mesmo pensamento de ignorar o todo pela parte é ainda, o que nos move politicamente. É difícil encontrar alguém que, nas eleições de 2018, conseguiu defender completamente as ideias do candidato que votou, especialmente no segundo turno. A verdade é que a grande maioria das pessoas votou por rejeição ao oponente ou ao partido oponente ignorando completamente a imagem completa, a “peça certa” a se mudar era a eliminação do adversário, mas foram ignoradas todas as peças que seriam adquiridas com a eleição do seu candidato.

A única forma real de mudar esse cenário é por meio de uma mudança de perspectiva. Assim como Sonia diz a Jack: A peça certa para consertar primeiro é nossa maneira de ver o mundo, de que devemos achar uma peça certa para consertar primeiro, devemos olhar os quadros como um todo e chegar à conclusão que todos os problemas são fragmentos de uma só crise. Porém, isso só é possível por meio do conhecimento de mundo que as ciências podem nos oferecer. Por conseguinte, somente a ciência pode evitar que novos autoritarismos floresçam sob o fértil solo da nossa democracia.

Pedro Augusto Ferreira Bisinotto
Direito-Noturno

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