segunda-feira, 25 de março de 2019

Inocência

Sento num banco de praça. Andando pela rua, vejo duas crianças: um menino branco e uma menina negra, ambos andando de bicicleta. Penso em como a inocência dos dois é algo tão bonito. Logo observo um policial abordando os dois pequenos. Ele pergunta se as bicicletas eram deles, e enquanto o menino quase ri da pergunta, a menina dá a nota fiscal ao policial. Um tempo depois, ouço-a dizendo que não podia correr, devido à possibilidade do policial confundi-la com um criminoso. Percebo, então, que ela não é mais tão inocente. Lembro-me, no mesmo instante, de uma aula que tive na faculdade sobre Descartes e Bacon, um discutindo a razão e o outro a experiência. Percebo a relação com a situação ali vivida pela pobre menina. Mesmo o racismo sendo algo fundamentalmente não racional, a menina possui a experiência suficiente para proteger-se dele. Percebo também que, em vários aspectos, a sociedade da época de Bacon e Descartes pouco difere da sociedade vivida pela menina. Ambas são excludentes, preconceituosas, com privilégios a poucos, sem uso real e verdadeiro da razão. Percebo, sentada naquele banco de praça, o quanto a vida difere dependendo de sua aparência física. Eu, nunca tendo sofrido racismo, tive praticamente a mesma reação do menino ao ouvir as perguntas do policial ao longe. A menina, tendo a experiência necessária para detectar ali sinal de perigo, logo respondeu da forma mais apropriada possível. Percebo o quanto aquela garotinha, tantos anos mais nova que eu, me ensinou sobre privilégio, sobre experiência. Ao levantar, sorrio para ela. Que ainda lhe reste um pouco de inocência.
Letícia Killer Tomazela (direito noturno)

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