terça-feira, 26 de março de 2019

Como se conhece a realidade


         Foram-nos expostas, em sala de aula, duas tirinhas do personagem “Armandinho”, do cartunista Alexandre Beck. A primeira continha uma situação, de início, ordinária. Duas crianças andando de bicicleta na rua. No decorrer do cartum, surge um policial, que questiona as personagens acerca da nota fiscal dos veículos com que brincavam. A segunda discorre sobre uma situação em que as mesmas personagens encontram-se cogitando apostar uma corrida até uma terceira personagem, mas há um policial atrás desta última. Contudo, uma das crianças diz que é perigoso para ela correr até a amiga.   A partir daí inicio a minha análise.
            Ao procurar uma lógica para a história das duas tirinhas, nossa mente pode-nos fazer pensar que a requisição do policial e o medo de a garota correr são acontecimentos desconexos, tratando-se de um exagero cômico sem nenhum propósito transcendente a isto. Todavia, isto seria uma ideia pronta criada pela mente, ou como diria Francis Bacon, uma antecipação da mente. Esta reflexão é transparecida pelas reações de Armandinho, que questiona o policial sobre qual a necessidade de andar com a nota fiscal de um bem qualquer e pergunta à amiga o motivo pelo qual não pode correr. Dessa forma, a fala do personagem aproxima-se de uma análise na qual se deixou a mente ser guiada por ela mesma, sem fazer uso da experiência.
O elemento da experiência se faz evidente na ação da outra personagem. Esta é uma garotinha negra. E diante disto e do fato de ela estar imbuída nota fiscal, pode-se inferir que ela já havia passado pela experiência de ser abordada pela polícia e questionada acerca da posse legal de algum bem que portava. Bem como, ela apresentou medo de correr perto de um policial, o que indica que já passou por uma experiência de repressão ao fazê-lo. Logo, a garota apenas chegou a conclusão de que estaria mais bem protegida caso portasse o documento fiscal e de que seria mais prudente não correr a partir da observação de uma experiência vivida. Esta mesma forma de se chegar a um conhecimento é defendida por Francis Bacon, só se chega a uma verdadeira interpretação da realidade a partir da observação de uma experiência e uma racionalização da experiência.
Julgo que a partir do método cartesiano, proposto por Descartes, seria mais difícil para a garotinha chegar a conclusão das decisões que tomou. Visto que este método se baseia apenas na mente e na dúvida. Isto é exemplificado pelos questionamentos de Armandinho, uma vez que ele não conseguiu compreender as razões da amiga agir de maneira diferente da dele através apenas do raciocínio lógico que possuía.
Enfim, concluo que a experiência auxilia mais na buscar do conhecimento que o raciocínio puramente. Ao confrontar estas tirinhas, que tratam da dura realidade da população negra jovem na sociedade brasileira, permite-se chegar a ideia de como, por mais que se esforce, não há como saber realmente sobre algo sem observar, ou no caso da tira, sofrer, o efeito de um fenômeno na prática. O raciocínio nos permite projetar e criar expectativas sobre algo, porém jamais nos permitirá conhecer a realidade das coisas.

Luiz Felipe de Aragão Passos - Direito Matutino.

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