sábado, 30 de junho de 2018

Direito como via de mudança


     Em harmonia com o Estado de Direito Social conquistado pela Constituição de 1988 e pelo Código Civil de 2002 o paradigma da sociabilidade buscou priorizar o equilíbrio entre os interesses individuais e os da coletividade, garantindo a efetivação de princípios norteadores, como por exemplo, o direito à moradia.  
     A construção histórica brasileira é acompanha pela estrutura fundiária desigual, excludente e até então intocável, já que os paradigmas das antigas normas tratavam o direito à propriedade como primordial diante de um choque de princípios. Assim, o direito nada mais era que o reflexo do formato das relações de poder, uma vez que mantinha as desigualdades causadoras de injustiças.
     Como a terra sempre foi ‘uma conquista e um direito de poucos’, nota-se, que ela sempre foi objeto de luta, pois frente à opressão a resistência é o recurso encontrado como tentativa de se alcançar determinado direito.
     O julgado apresentado em aula, este o caso da Fazenda Primavera, elucida como o MST age e da visibilidade à questão do direito à terra e consequentemente da reforma agrária tão necessária para o Brasil.
     Utilizando-se da função social da propriedade esse grupo fundamente suas pretensões diante do direito, coincidindo com o que propôs o jurista e sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
     Ocupar o direito não é tarefa fácil, pois quando há essa tentativa há sempre como resposta uma maneira de neutraliza-la. Entretanto, buscar determinado direito por meio de estratégias jurídicas, assim como Boaventura aponta, é uma maneira de utilizar o direito contra hegemonicamente.

O direito como precursor da mudança


            Para Boaventura de Sousa Santos o direito assim como o sistema judicial, perpetuam e legitimam os regimes sociais injustos uma vez que refletem a realidade social vigente, em que as elites que detêm o poder, seja ele politico, social ou econômico buscam perpetuar seu domínio perante os 99% restante da sociedade.
            Esse fato atesta toda injustiça social presente no país, cabendo aos grupos minoritários encontrarem formas de organização especificas para buscarem valer seus direitos positivados pela Constituição. A exemplo disso, temos o Movimento Sem Terra (o MST) que busca a resistência as injustiças sociais através de diversos tipos de lutas.
            Essa lutas, entretanto, também passaram a buscar sua legitimidade no campo jurídico uma vez que teoricamente, o direito a terra e a inconstitucionalidade do latifúndio improdutivo são fatos garantidos pela Constituição Federal. A busca por assessoria jurídica busca fazer com que esse fato se torne realidade e é através do auxilio de advogados populares e extensões universitárias que o MST é capaz de levantar suas reivindicações no campo jurídico.
            A atuação do direito juntamente com os movimentos sociais minoritários busca levantar novas interpretações da lei, uma vez que ela é ampla o suficiente para se questionar. Esse questionamento vem fazendo com que decisões históricas sejam tomadas, auxiliando de fato os movimentos sociais, como no caso da Fazenda Primavera de 1998, uma vez que o direito social é colocado como prioridade em detrimento ao direito a propriedade.
            Essa atitude do judiciário de colocar o direito a vida em cima do direito individual demostra uma mudança, mesmo que ligeira e restrita a esse caso, na interpretação das leis e consequentemente uma alteração no status quo que privilegia o individual ao coletivo.
            Para a efetiva busca pela justiça, é necessário que o judiciário deixe o direito emancipado e aberto para novas interpretações e consequentemente, o ativismo judiciário deve ser visto como algo extremamente eficaz já que leva a legislação que foi escrita a décadas atrás novos ares e novas interpretações que são reflexos da sociedade atual em que vivemos.
            Concomitantemente, para o acontecimento dessas modificações no comportamento do judiciário, é preciso que os movimentos sociais adaptem seus meios de luta, adaptando suas reivindicações as regras que são impostas pelo judiciário, assim ocorre a legitimação dos movimentos.
            Também, questiona-se se o direito ajuda na emancipação das pessoas. A emancipação através do direito só pode ocorrer quando as pessoas busquem mudar o status quo utilizando de ferramentas jurídicas para auxilia-las nessa luta, sendo assim, decisões judiciais que favoreçam o coletivo em detrimento da propriedade individual como no caso da Fazenda Primavera, só podem ser tidas quando o movimento social trabalha com o objetivo de emancipar o direito de todos os grilhões conservadores que ainda o prende.
            É preciso de fato dar uma nova reinterpretação ao direito e a democracia brasileira como um todo. Para isso acontecer é necessário que os movimentos sociais busquem - através dos seus mais diversos meios de luta- formas para trazer novas cores a realidade jurídica vigente uma vez que é através das leis que as mudanças na realidade social passam a acontecer de fato.

Bárbara Tolini, noturno

O direito dos 99% oprimidos em detrimento do 1% privilegiado.


Em consonância com o artigo 6° da Constituição Federal que dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, tomando como ênfase o direito à moradia, cuja garantia se encontra visto neste artigo,  é discutível a questão presente no caso da Fazenda Primavera, onde os proprietários entraram com um agravo interpelando o TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul, com uma ação de reintegração de posse.

Segundo o jurista e sociólogo, Boaventura de Sousa Santos, “Isto significa que em determinadas situações muito específicas, podem (o direito e os tribunais) ser proveitosamente utilizados pelos grupos sociais oprimidos e excluídos para fundamentar as suas pretensões. Nestes casos, o Estado de direito e o acesso à justiça podem desempenhar um papel de relevo na obtenção de uma maior justiça social (concebida como uma igualdade real, e não meramente formal entre os cidadãos). (...) “. Ou seja, os movimentos sociais oprimidos podem utilizar-se do poder judiciário, afim de conquistar os direitos, meramente formais como citado pelo autor, garantidos pela Constituição Federal e em normas infraconstitucionais, como discorre no artigo 1228, § 1° do Código Civil em relação à propriedade: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. ”. Sendo assim, é uma reivindicação de caráter reconfigurativo, visto que, está presente no ordenamento jurídico, malgrado não tenha sido configurado no materialismo.

É notório, portanto, e de necessário cuidado, haja visto que a propriedade cumpra a função social, não desabrigar aos cidadãos, salientando que é função do Estado prezar por direitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, direito à moradia, dentre outros. Por fim, cabe destacar que a ocupação do MST (Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra) é legitima a partir do momento em que os órgãos encarregados não se pronunciam a respeito e não garantem a real assistência e atenção, pois, enquanto houver, como destaca Boaventura, um abissal entre o direito dos 99% para com os 1%, o direito tem o papel fundamental de assistir aos grupos oprimidos.

“Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito. ”

A busca das minorias por reconhecimento


  O julgado da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4277, reconheceu a união homoafetiva como instituto jurídico, concedendo a ela as mesmas consequências e regras de uma união heteroafetiva estável. Sendo esta, uma conquista para a humanidade.
  Os homossexuais constituem uma minoria, a qual, não envolve quantidade, e sim, desvantagem social. De acordo com Axel Honneth, as minorias possuem sentimentos individuais em comum, que se tornam coletivos, e estão em busca de reconhecimento, que é o motor das lutas sociais, tanto perante si (auto-realização), quanto, aos outros, devido ao fato de estarem inseridos em relações sociais.
  Não reconhecer os direitos da união homoafetiva seria mais uma maneira de ferir a dignidade da pessoa humana desses indivíduos, os quais já sofrem, constantemente, com violências físicas, verbais e morais, até casos de morte, devido aos preconceitos enraizados pelo conservadorismo. Na visão de Honneth, duas esferas do reconhecimento individual seriam feridas: da auto-confiança, o amor, pelo trauma causado; e do auto-respeito, uma vez que, seus direitos não seriam garantidos, logo, não se sentiriam sujeitos de Direito. E essa situação só poderia ser alterada, caso se engajassem em movimentos sociais, para a restituição do auto-respeito.
  Além disso, a constante luta dos homossexuais por respeito e igualdade, é uma mobilização de dupla motivação. Haja vista que há mistura do interesse, por lutarem pela auto-conservação e sobrevivência, em decorrência das falhas na estrutura social, nas quais as minorias são desprivilegiadas; e do desrespeito, por lutarem contra injustiças e pelo reconhecimento jurídico. Assim, lutam para que os dominantes os reconheçam, do mesmo modo que reconhecem a luta entre as minorias (auto-estima). Ou seja, formam pontes semânticas com legitimidade na conduta do outro, por possuir os mesmos sinais de sofrimento.
  Desse modo, podemos concluir que, apesar da conquista pontual, a luta pelo reconhecimento da união homoafetiva deve continuar, para que o preconceito da sociedade seja desconstruído. Assim, espera-se que outras minorias sociais alcancem o reconhecimento jurídico também.

Beatriz Bernardino Buccioli - Noturno