domingo, 1 de julho de 2018

Direito como instrumento da Emancipação Social

    No desfecho do profícuo ano de 2010, o sociólogo português, de egrégia importância na Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo Os fascismos sociais discorreu acerca do que ele considera o novo tipo de regime vigente na hodiernidade: o famigerado fascismo social, caracterizado, precipuamente, pelo componente fundamental que é a sistemática violação dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos e que atinge, mormente, a parcela mais carente e desfavorecida da sociedade.
   Sob um ponto de vista histórico, essa violação de direitos se prova uma problemática provecta e para efeito de corroboração é proveitoso perquirir acerca da mais laboriosa questão social brasileira, a extraordinariamente desigual distribuição de terras. Durante amplo fragmento da história nacional a partilha dos territórios, em sua maioria extremamente férteis, foi de inegável e patente dissemelhança. Essa discrepância teve início já com a vinda dos portugueses que foram responsáveis por lotarem o País, convertendo-o em capitanias hereditárias, comandadas pela alta nobreza europeia. Tal sistema censurável durou quase trezentos anos, até a independência do Brasil.
    A posteriori foi criada a Lei das Terras, estabelecendo, pela primeira vez, a compra como o único meio de possuir acesso à propriedade. Poucos anos após tal decreto, em 1888, ocorreu a abolição da escravatura, o que compôs um quadro alarmante. Os escravos recém-libertos não tinham lugar nem para estabelecer residência nem para labutar. O momento era, claramente, de uma completa ausência de política habitacional, obrigando esses indivíduos a ocupar a terra e construir casas de forma ilegal.
    Foi somente com a constituição Federal de 1988 que se consolidou à democratização do acesso à terra e a priorização da função social, disposições asseguradas no Art, 5°, inciso XXIII que, de forma assaz sucinta, favorecia os movimentos sociais na medida em que se objetivava a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais e regionais.
    Considerando o alicerçamento de tal cenário, reputar-se acerca da função social da propriedade foi de peremptória importância para o julgado da Fazendo Primavera – SP – ocupada pelo MST – Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra – no prelúdio dos anos 2000, cujo veredicto final se deu a favor do movimento social em questão, vetando a reintegração por parte dos proprietários do local.
    Inserindo as considerações de Boaventura de Sousa Santos, ao se voltar para uma factual analise da determinação do supracitado julgado, pode-se concluir que neste caso, singularmente, o direito agiu como instrumento da emancipação social, ao apoiar e embasar a luta de uma minoria desfavorecida pelos direitos que lhe são próprios e assegurados por lei.
    Diante de um notório enfraquecimento do chamado direito abissal, aquele que, indubitavelmente, prevalece e é responsável pela manutenção das desigualdades e do status quo dominante, em favor de um Direito Reconfigurativo, entende-se que houve uma efetivação da busca pela igualdade, transcendendo aquela meramente formal e conquistando, enfim, aquela almejada material, que se manifesta apenas, e somente apenas, quando é factual, no momento em que todos os indivíduos são capazes de possuir a mesma quantidade de bens, de direitos e, porque não, o mesmo nível de felicidade.
    Em suma, para efeito de conclusão, cabe ressaltar a meritória significância do caso da Fazenda Primavera, que comprovou o início de uma necessária mudança cuja característica primordial seria a intolerância contra a manutenção das terras como mero privilégio social de uma classe abastada e dominante frente a uma parcela demasiadamente maior de dominados e desfavorecidos. Na hipótese do descumprimento dos princípios sociais assegurados pela Carta Magna, provou-se que o direito, como defendia Boaventura de Sousa Santos, interveio em favor dos necessitados, ajustando a aguda tensão entre a regulação e a emancipação social.

Milene Fernandes Silva ( Direito/ Noturno/ Turma XXXV)

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