quarta-feira, 20 de junho de 2018

ADPF 54 e Bourdieu



Primeiramente, adentrando nos conceitos de Campo Jurídico de Pierre Bourdieu, é importante salientar que o “campo” é toda dimensão da vida social que engendra relações, modo de disputas e referenciais de poder específico,  seja ele o campo jurídico, artístico, científico, etc. Sendo assim, balizando o assunto para o campo jurídico, trata-se do lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito.
No julgado da ADPF 54, referente à antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia, percebe-se este embate, que se dá através da argumentação por parte dos ministros, como por exemplo o relator Marco Aurélio, votando a favor, e Ricardo Lewandowski, contra.
Ademais, vale ressaltar que o limite às interpretações no âmbito do campo jurídico estão condicionados pelo espaço dos possíveis. O próprio Marco Aurélio, em seu voto, valendo-se da laicidade estatal, princípios constitucionais e a clara distinção entre aborto e antecipação terapêutica do parto, visa trazer para o espaço dos possíveis a questão da anencefalia.
Essa busca por diferenciar aborto e antecipação terapêutica do parto, bem como deixar sempre claro que a discussão refere-se somente em casos de anencéfalos, é reflexo de nossa sociedade que ainda trata como tabu a questão dos abortos. Bourdieu, em suas lições, trata do habitus, que sucintamente são as disposições sociais incorporadas. Nesse sentido, atualmente discutir abortos em geral, implicaria em atingir essas disposições socialmente construídas, de modo a provocar um forte rebuliço em grande parte da população.
Por fim, a consolidação de que aborto de anencéfalos não é crime, assegura os interesses das mulheres, que possuem seus direitos (dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à proteção da autonomia, etc), previstos na Magna Carta, assegurados. No período anterior à ADPF 54, a mulher era compelida a manter a gestação em tais casos, o que configurava, portanto, uma violência simbólica por parte do Estado.


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