domingo, 10 de junho de 2018

A questão dos anencéfalos na conjectura social


Na sociedade brasileira, no decorrer do desenvolvimento social, diversas demandas foram insurgidas, sendo necessário para um maior controle jurídico e social, a positivação desses fatos usando a premissa de um valor, como diria Miguel Reale, em norma. No caso do sistema de saúde, muitos enfermeiros e auxiliares de enfermagem estavam sofrendo processos por participarem de processos de aborto em anencéfalos. Sabendo disso, e dos ditames da constituição de uma vida, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) entrou com um pedido de ADPF ao STF para que houvesse a judicialização e consequentemente a conclusão dessa demanda, já que o direito tem o poder simbólico de nomeação, estabelecendo o que seria o “correto”.
O ordenamento brasileiro decreta a criminalização do aborto em virtude de um direito fundamental que é o direito à vida. O início da vida é um ponto na legislação e na própria sociedade muito controverso, alguns dizem que se inicia a vida na fecundação, outros quando há a formação do sistema nervoso e por fim há uma vertente que segue a premissa de que a vida começa quando o ser nasce e enche os pulmões de ar. Por outro lado, a morte tem uma caracterização mais pontual do ponto de vista da medicina, segundo ela, o indivíduo morre quando há o falecimento do sistema nervoso/cerebral. Sendo assim, a anencefalia é uma condição na qual o indivíduo (produto da fecundação) nasce com o cérebro subdesenvolvido e sem a calota craniana, ou seja, pode-se concluir, do ponto de vista legal, que não há vida, já que não houve a formação nervosa. Sabendo de todas essas nuances, o STF ao analisar a ADPF, autorizou a possibilidade do aborto de anencéfalo, não admitindo a criminalização desse ato no caso concreto.
Segundo Pierre Bourdieu, como os magistrados do STF são operadores e doutrinadores do direito, eles possuem o poder simbólico que o direito fornece. Na declaração de Marco Aurélio, ele deixa muito claro que quem define a significação do início da vida é o direito, isso é a demonstração mais cabal do poder simbólico do direito, já que define o que é a vida, mesmo a contrapelo de algumas vertentes da medicina. O magistrado diz em seu voto que o anencéfalo jamais se tornaria uma pessoa, já que não há vida em potencial, em termos biológicos e sociais, nesse sentido se encontra o poder simbólico de ‘nomear”, que estabelece um ponto de partida do que é considerado o “correto”, mas essas disposições hermenêuticas, não tem um curso livre, qualquer interpretação é restrita, balizada pelas doutrinas, jurisprudência e constituição, ou seja, o magistrado não pode levar a interpretação ao sabor da vontade pessoal. Além disso, Bourdieu considera que no campo jurídico o direito vai buscar ter um caráter universal e neutro. No julgado, houve o cumprimento dessas características, uma vez que há a neutralidade por parte dos magistrados, pois é evidente o embasamento legal na decisão e foi universal porque está possibilitando o direito de escolha para as mulheres.
Sendo assim, proporcionar o direito a escolha, não significa que toda mulher grávida de anencéfalo terá que abortar ou não receberá apoio na gravidez. Isso decorre, pois, o direito, segundo Bourdieu, está fundamentado em uma dupla lógica, ciência (razão) e moral. Ou seja, para que haja o direito há que ter uma fundamentação científica que, no caso, foi as análises sobre a questão da vida fornecida pela medicina; já a questão moral está fundada na observação da mulher pela dignidade da pessoa humana, isto é, a mulher que sofrerá as consequências dessa gravidez, sendo ela a titular desse direito, a mulher poderá escolher carregar ou não o feto.



Joelson Vitor Ramos dos Santos - Matutino, Turma XXXV

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