segunda-feira, 28 de maio de 2018

O ordenamento jurídico brasileiro e a judicialização: a eficácia na busca por justiça social 

    O atual cenário sociopolítico brasileiro reflete em profundos e perenes debates práticos e teóricos envolvendo os três poderes e seus personagens acerca de questões de fundamental importância para o ordenamento jurídico bem como sua eficácia sociológica. Assuntos que inundam os veículos midiáticos nos dias de hoje, a judicialização, o ativismo judicial e a alteração de normas fazem com que a relação do Poder Judiciário para com os demais poderes e a sociedade chame mais a atenção do que de costume, levando-nos à observação do que o jurista francês Antoine Garapon expõe como um fenômeno social do ordenamento jurídico contemporâneo: a judicialização e o consequente ativismo judicial. 
    De fato, é plenamente viável e ajuizado entender que tais fenômenos ocorrem na maior parte das nações ocidentais, sobretudo no Brasil; cabe entender suas origens, seus reflexos e analisar na prática como isto ocorre. Como um dos mais significantes exemplos nacionais, tem-se o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Partido Democratas no ano de 2009 acerca da política de cotas raciais estabelecida na Universidade de Brasília (UnB). A decisão unânime do colegiado acabou por decretar constitucional a instauração da política de cotas, abrindo as portas para o que hoje se tem na imensa maioria das universidades públicas do país. Segundo o relator do caso, o ainda ministro Ricardo Lewandowski, trata-se de uma ação pública que visa combater esta área de desigualdade social enquanto ela perdurar, cabendo à Suprema Corte decidir favoravelmente, seguindo preceitos constitucionais de igualdade social. Não à toa este caso é um dos símbolos máximos da judicialização: como demonstra Luís Roberto Barroso, “(...) A judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente." Há de se analisar o fenômeno da judicialização como uma ação decorrente da Constitucionalização do Direito Brasileiro, decorrente do processo de redemocratização brasileira, consumado em 1988 com a promulgação da Constituição Cidadã. A consequência mais direta do processo é "transformar direito em política".
    Além disso, é necessário compreender que as atuais garantias de estabilidade para o Poder Judiciário, a subjetividade de diversos pontos da Constituição Federal e um processo lento e por vezes ineficaz do Poder Legislativo acabam por deslocar para os magistrados a necessidade de decisão, ainda que haja implicações políticas em cada uma delas. 
    Tratando-se a judicialização de fator que envolve questões sociais complexas e polêmicas como a exposta, não raro existem manifestações contrárias ao processo, adotando uma postura crítica que entende como errôneo e perigoso a expansão da área de atuação do Judiciário; é necessário compreender, entretanto, que numa sociedade desigual e dinâmica como a brasileira, não se pode esperar que o Poder Judiciário, crescente pelas razões já apontadas, se exima de adotar posturas que definam os rumos sociais. Tomando por base o caso da política de cotas raciais iniciadas pela UnB: é de extrema importância que se tenha garantias estatais e constitucionais práticas que visem levar uma parcela da população que é maioria numérica e ao mesmo tempo minoria em áreas historicamente mais elitizadas, como o cenário acadêmico. Não se trata de privilégio algum auxiliar a entrada de negros nas universidades públicas, trata-se de uma garantia (ainda que tardia) constitucional de estabelecer igualdade. Não se pode achar que a população negra possuí condições de acesso, de vivência e representatividade com qualidade mínima e igualitárias; daí a importância de haver uma decisão judicial que não emperre o processo e que pelo contrário, auxilia numa melhoria ainda que mínima do cenário brasileiro, onde o racismo por muitas vezes mascarado impede bruscamente a liberdade de acesso às universidades públicas. 
    É também possível entender que, ao mesclar direito e política, haja um embate jurídico perante os partidos e as ideologias, visando exercer impedimentos com reflexos imediatos; o caso da ADPF das cotas deixa nítido o viés também político presente, ao envolver políticas públicas sociais do governo de esquerda que havia à época e um partido com ideais mais conservadores. Ingeborg Maus, tratando do cenário germânico da década de 90 sobre os mesmos aspectos, ainda aponta características que fazem com que o Judiciário "derive dele mesmo". É extremamente importante entender que há a possibilidade da parcela social de atuação acabar por ser excluída, quando tudo o que importa é a jurisprudência: mas quando se trata de questões básicas e que carecem de efetividade até então, a judicialização é um processo natural do estado democrático de direito contemporâneo e constitucionalizado.
  Partindo do princípio das esferas do direito como abordado por Miguel Reale na teoria da tridimensionalidade do direito, a decisão acaba por conceder eficácia na sociedade, ao atender uma demanda social existente. Garantias constitucionais importam, representatividade da população negra importa. Numa sociedade tão desigual como a brasileira, toda busca por garantia de justiça social dentro dos processos legais é válida. 

Pedro Henrique Dinat Labone - Turma XXXV, Diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário