segunda-feira, 28 de maio de 2018

O judiciário como meio de representatividade política



É no mínimo, irresponsável falar sobre cotas em universidades públicas sem considerar o retrospecto histórico do nosso país. Uma intensa atividade de tráfico negreiro prolongada por trezentos anos deixou diversas sequelas na sociedade brasileira, sendo a mais profunda delas a marginalização da população afrodescendente no pós-abolição. As medidas que incentivavam a imigração de europeus visando o trabalho assalariado desses, ao mesmo tempo que embranqueciam a população, empurravam a etnia outrora escravizada para as periferias da cidade. Cento e trinta anos depois, verificamos que 67% dos negros do brasil recebem até um salário mínimo e meio – cerca de R$ 1400. Entre os brancos, o índice fica em 45%¹.
Por muito tempo, os negros e outros atores sociais com pouca representatividade política eram simplesmente ignorados pela política majoritária, sendo essa, inefetiva para essa demanda social. É nesse cenário que a judicialização aparece, não como uma heroína ou vilã, mas sim como mais um recurso político garantido pelo poder constituinte de 88, dentre as mais diversas políticas de direitos impostas pela carta magna. A democracia pós-88 forneceu à oposição recursos para lutar contra medidas disformes à constituição, utilizando-se dos tribunais. Todos esses motivos caracterizam um cenário de intensificação da judicialização, e Tate e Vallinder já apontavam esses motivos em um panorama global. Com a redemocratização, matérias antes deixadas para a política geral agora estão contempladas com a constituição e Barroso sobre isso afirma: “constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito”.
Portanto, a judicialização corresponde a um panorama global, é válida, constitucional, e se prolifera para legislações complementares. Miguel Reale explicita que o Código Civil de 2002 se utiliza de cláusulas gerais, o que confere mais liberdade hermenêutica ao aplicador do direito. O que seria isso senão um reflexo da judicialização nas esferas mais específicas do Judiciário?
Despindo-se do maniqueísmo atribuído à judicialização, é um fato que a decisão a favor das cotas no caso da Universidade de Brasília foi essencial para a universalização dessa política afirmativa, hoje presente na maioria das universidades brasileiras. Um passo importantíssimo rumo à diminuição da desigualdade, tomado pelo Judiciário após uma severa omissão dos outros dois poderes. De quatrocentos e dezoito anos.


Diego Sentanin Lino dos Santos - Direito Matutino - Turma XXXV
Fonte dos dados: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/seis-estatisticas-que-mostram-o-abismo-racial-no-brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário