domingo, 13 de maio de 2018

Esbulhação de direitos: juristas contra ou a favor?

  Na modernidade, a burguesia vinculada ao racionalismo jurídico, que se distanciou de normas jurídicas alicerçadas no direito imanente às vontades divinas, trouxe à concepção de direito natural a inerência de direitos em favor às necessidades humanas, de maneira a valorizar as próprias teorias burguesas de modelos políticos – econômico.  Observando essa mudança na fundamentação do referido direito, Max Weber em “Economia e Sociedade” afirma que “O direito natural é, por isso, a forma específica de legitimar as ordens revolucionariamente criadas”. Essa classe do então terceiro estado utilizou, nesse sentido, a liberdade de contratos, que alude, por exemplo, à propriedade privada e às relações comerciais surgidas, como uma das bases de seus ordenamentos jurídicos. Em concordância com esses, a Constituição brasileira representa a positivação de um direito intrinsicamente burguês, o qual apesar de garantir o princípio da sociabilidade não retira do cotidiano a individualidade, as desigualdades e os problemas sociais. Assim, a questão fundiária – destacada, principalmente, no caso da reintegração de posse do Pinheirinho em São José dos Campos - é um problema alarmante responsável por violências físicas, morais e violações dos direitos humanos, e evidencia tanto a parcialidade como a falta de racionalidade formal do judiciário. Desse modo, tem – se que o direito brasileiro se baseia, amplamente, na defesa de interesses que possuem finalidades econômicas – materiais, e não protege a depravação de maiorias sociais que são deficientes sócios- econômico.
  A dissonância entre o tipo ideal, de Weber, e a realidade, nesse contexto, está atrelada à parcialidade encontrada no direito. Esse assegura no artigo 5º, XXIII, CF,que “a propriedade atenderá a sua função social”, isto é, se, como na situação do Pinheirinho, onde antes da ocupação era uma imensa área vazia, a propriedade não estiver contemplando uma função, pode ser entregue à desapropriação. No entanto, a juíza Márcia Loureiro, ignorando a função social da propriedade, a obscuridade de apropriação do terreno pela empresa Selecta, a indeferição da liminar pelo juiz da 6ª Vara Cívil de São José dos Campos, o não pagamento de ônus fiscais pelo proprietário – o que contraria o art, 1276, 2º, CC - e o direito fundamental à moradia, art. 6º, CF,  concedeu a reintegração à Massa Falida. Nesse espectro, está claro que o ordenamento, contudo disponibiliza dispositivos para sanar as questões sociais de moradia, não é suficiente para impedir a arbitrariedade e, logo, a defesa de aspectos puramente materiais pelos empoderados juridicamente. Assim, a metodologia da tipo ideal, no país, ilumina os interesses em prol da desigualdade social.
  As restrições à terra, medidas em prol de desejos burgueses, nessa perspectiva, são historicamente responsáveis pela disparidade no âmbito de apropriação. O direito brasileiro de 1850 previu a “Lei de Terras”, que impediu com que imigrantes e escravos adquirissem propriedade, uma vez que a partir de então essa deveria ser comprada. Essa mentalidade protecionista e aspirante dos privilégios permaneceu na sociedade e as ações sociais da juíza Marcia ante o Pinheirinho a evidencia. Pode – se, assim, também tentar justificar a opção da magistrada em agir materialmente através do que Weber diz sobre os juristas modernos passarem a apresentar mais relação com os poderes sociais na medida em que diminui – se a fé no direito natural, ou seja, quando deixa – se de acreditar em uma naturalidade transcendental do direito a racionalidade ganha força e, por conseguinte, os juristas têm o poder de atribuir a imanência a seus interesses e, dessa maneira, tendem a se colocar ao lado dos poderes dominantes em detrimento da defesa de direitos dos desfavorecidos.
  A arbitrariedade dos aplicadores do direito, baseados, majoritariamente, na mentalidade material – econômica, nesse cenário, intensifica o aumento das desigualdades. Essas porque são provenientes do distanciamento cada vez maior de qualidade de vida entre, por exemplo, os esbulhadores e o esbulhado e reiteradas com comportamento totalmente desiquilibrado, entre qualidades formais e materiais, do direito brasileiro, são favorecidas. Desse modo, pauta – se uma ordem social onde uma maioria pobre continua sem acesso à equidade e, consequentemente, a bens fundamentais como a moradia, saúde e educação digna.
  O julgamento do Pinheirinho ilustra, portanto, um direito precário quanto à aplicação de seu conteúdo, já que a comunidade formada nesse bairro foi subjugada a decisões jurídicas escassas de justiça, que contrapõem, inclusive, ao próprio ordenamento jurídico. Juristas parciais e alienados a uma materialidade econômica e de representatividade social corroboram para que a sociabilidade deste seja restringida e, logo, esbulham direitos dos desprivilegiados. Assim, tem – se um direito que não protege os desprivilegiados na prática e promove a manutenção das desigualdades e de uma racionalidade weberiana mais material do que formal.

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