segunda-feira, 12 de março de 2018

O Caos


A primeira onda de direitos coincide com o surgimento e fortalecimento dos Estados Modernos europeus. De acordo com Bobbio (1909), em sua obra a Era dos Direitos, a primeira geração refere-se aos direitos fundamentais do homem, cuja afirmação encontra-se nas lutas contra os governos absolutos e na própria limitação destes. As constituições com surgimento no século XVIII visavam a garantia dos direitos civilistas relativos à vida, à segurança e às liberdades individuais, sobretudo à propriedade e aos contratos.
A imposição de uma nova ordem, criando uma nova realidade a partir de uma metodologia descarteziana inovadora coloca o direito em lugar de instrumento a favor da classe insurgente, a burguesia. Há de se destacar nesse processo de fomentação das constituintes a imparcialidade do legislador. Se a influência dos ídolos baconianos iniciam-se ao nascimento, como afirmar uma imparcialidade do conhecimento? A racionalidade do ser é construída no social e não meramente do âmbito biológico, tornando questionável o ideal de uma natureza humana universalizada ao considerar o influxo do fenótipo em sua unicidade. Sendo assim, um direito com princípios universais não é válido.
Outro ponto de destaque, é a descentralização do poder absoluto ao poder judiciário. Considerando os índices de analfabetismo e não-escolarização da população no século XVIII, o direito através de uma pesada burocracia influi poder a essa burguesia, a qual se afirma como dominante. O conhecimento e linguagem jurídicos são tão limitados a uma elite intelectual (a qual funde-se à elite econômica) que impedem a auto representação do indivíduo, submetendo-o a vontade e análise de uma nova classe.
O direito burguês traz consigo a aplicação de seu “ídolo da meritocracia”. A constituição age como civilizatória, na qual a mobilidade social é alcançada pelo trabalho individual. O trabalho enobrece. Portanto, um povo cujos homens, isto é, metade da população, trabalhavam cerca de dois meses em cada quatro anos seriam considerados como atrasados? Um povo sem uma Constituição e formação ocidental estatal é selvagem? Dois axiomas, com efeito, parecem guiar a marcha da civilização ocidental desde sua aurora: o primeiro estabelece que a verdadeira sociedade se desenvolve sob a sombra protetora do Estado; o segundo enuncia um imperativo categórico: é necessário trabalhar (CLASTRES, 1973).
Ocupar o direito é utilizar instrumentos burgueses para a revolução, o que torna-se apenas um reformismo redundante. Para a efetivação das necessidades coletivas e individuais é inevitável o caos para a criação do novo, o qual atenda às especificidades organizacionais e não imponha uma hierarquia, ídolos e ocidentalização. Respeito à lei, este é o cimento que mantém a estrutura do Estado. A lei é sagrada e aquele que a desafia é um criminoso. Sem crime não haveria Estado: o mundo da moral – ou seja, o Estado – está cheio de vagabundos, mentirosos, ladrões (…) O objetivo dos estados é sempre o mesmo: limitar o indivíduo, domesticá-lo, subordiná-lo, subjugá-lo (STIRNER, 1845).


Referências Bibliográficas:
Bobbio, Norberto, 1909 - A era dos direitos / Norberto Bobbio; tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão. Tradução de: L'età dei Diritti. ISBN 10: 85-352-1561-1. 1. Direitos humanos — Discursos, conferências etc. I. Título. CDD - 323.4.
Clastres, Pierre, 1974 - A Sociedade Contra o Estado (artigo). Título Original: Lê Societé contre I'Etat. Tradução: Theo Santiago. Data da Digitalização: 2004. Data Publicação Original: 1974.
Stirner, Max, 1845 – The Ego and His Own, citado in: Politics - Página 56, Andrew Heywood - Palgrave Macmillan, 2013.


Giulia Dalla Dea Vatiero
Direito Diurno

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