segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Deficit Familiar



João era o indesejável filho de António, um menino humilde e tímido que sabia ser grato ao pai, porque afinal, apesar da ausência, ele o sustentava. Quem tem comida na mesa não reclama e é grato, assim seu pai havia lhe ensinado e ele, apesar de no fundo se indagar sobre a afirmativa, obedecia.

Acontece que João não era assim tão sustentado e também não tinha motivos de ser tão grato. Com 12 anos ele ouviu do “pai”: Já esta na hora de trabalhar, já tem idade! Dito e feito, o menino atendia o dia inteiro na vendinha do pai e cansado do dia de labor ia para escola à noite. No começo ele ajudava com a limpeza e repondo o estoque, depois foi adquirindo mais responsabilidades, até que já ficava o dia inteiro no comércio enquanto seu pai ia resolver coisas importantes. Pelo menos era o que ele dizia.

E assim João foi tocando sua vida. Em um sábado de sol, depois de ter trabalhado religiosamente todos os dias durante um ano, um amigo o convidou para ir a jogar bola: Vai lá, só hoje seu pai deve deixar, você pode negociar com ele! Que nada, o pai mandou o moleque deixar de ser vagabundo e ir trabalhar. Aproveitou logo em seguida para avisar que a partir de agora ia almoçar trabalhando, afinal não dava para a venda ficar fechada enquanto o pivete dormia. João começou a responder e logo foi interrompido: As coisas estão difíceis, agradeça por ter comida.

As coisas estão difíceis. O menino, que via o pai chegar bêbado todo dia, já quando se preparava para dormir depois da aula , começou a se questionar se devia ser grato, se as coisas realmente estavam difíceis para não ter mistura no prato já há seis meses.


Mas depois do pico de raiva, agradeceu. Afinal João já tava com 18, ele sem estudo e estrutura era livre para sair de casa, e seu pai era muito bondoso em lhe continuar sustentando.  Graças à liberdade, era só trabalhar um pouquinho mais que poderia negociar. Toninho não devia ter dinheiro mesmo, afinal era importante e mais que justo ele dar o mínimo a dívida publ...Há, desculpe-me que essa é outra história, ao bar.

Eduardo Augusto de Moura Souza
Direito Noturno

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