segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A Vida em Direito

               Em 1989, Pierre Bourdieu publica sua teoria jurídica que rompe os paradigmas estabelecidos até então ao definir o ordenamento jurídico como local, formalmente distante da sociedade, porém funcionalmente universal, no qual há a manifestação do seu poder simbólico para a concretização de mudanças no plano real o que, por consequência, admite certa autonomia da entidade do direito. Estruturando-se , desse modo, a base teórica essencial para sua obra “O Poder Simbólico”.
       Ainda na obra de 89, o sociólogo disserta sobre a hierarquia sistemática dos profissionais jurídicos, afirmando que tal estrutura piramidal visa prioritariamente a produção teórica e formal do ordenamento positivado e sua adaptação par aa concretização prática das mudanças sociais.
Partindo desses pilares essenciais do “Poder Simbólico”, cabe aqui trazer a tona o debate realizado no Supremo Tribunal Federal referente ao descumprimento fundamental nº 54, este, por sua vez, aborda a possível realização de abortos de fetos considerados anencéfalos através de ferramentas legais alegando uma diferenciação do desenvolvimento pós-natal àqueles outros de formação craniana e encefálica completa. Tal argumentação tem por base na jurisprudência o habeas corpus nº 82025-6, no qual houve o fim da sentença de prisão a médicos realizadores de um aborto perante feto anencéfalo, o que, para múltiplos juristas feria cláusulas pétreas constitucionais que protegiam a vida e a autonomia de escolha do indivíduo. Estabelecendo-se, assim, uma ADPF e o conseguinte debate do STF.
Por fim, o STF acaba por compreender como lícito, por meio de 8 votos favoráveis, o aborto de fetos anencéfalos em território nacional o que invariavelmente causou grande divergência perante a  opinião pública que alega incoerência mediante os princípios defendidos pela decisão, e pelos 8 ministros favoráveis, e a real positivação jurídica vigente, considerando a definição como arbitrária quando comparada com a clareza formal da lei. Provavelmente, grande parte este repúdio civil provêm de uma construção, que data desde o período colonial, da estruturação estatal e religiosa em consonância cuja força permanece claramente até hoje no poder popular, como muito bem aborda o Ministro relator Marco Aurélio Mello.
Ainda sobre o voto do relator, vale ressaltar um ponto que em muito se contrapõem à doutrina de Bourdieu ao salientar o direito como agente que se molda as demandas sociais, guiando a Constituição a uma cautelosa mudança de paradigmas.
Por fim, é possível afirmar que uma influência em sentido único, seja do âmbito social para o jurídico ou vice-versa, seria extremamente simplista perante a complexidade das instituições aqui tratadas. Em verdade, os fatos sociais e as leis positivadas acabam por influenciar-se de maneira mútua, sempre protegidos por instrumentos legais que evitam, geralmente de modo eficaz, a arbitrariedade, como antes foi alegada neste texto, como exemplo desses instrumentos pode-se citar a hierarquia trabalhada por Bordieu, na qual a especificação de funções delegadas a cada estamento jurídico limita a tomada de decisões pautadas somente por princípios pessoais. Logo, o poder simbólico da decisão do STF abre precedente para mudanças concretas e palpáveis, almejando influências sociais realmente inovadoras e condizentes com a realidade democrática que se espera do Estado de Direito Brasileiro, distante dos dogmas de estigma colonial a que ele foi moldado.

Lucas Correa Faim - Noturno

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