segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A luta por reconhecimento na união homoafetiva

A luta por reconhecimento foi objeto de estudo de Axel Honneth, o qual se empenhou em conectar a perspectiva social com a perspectiva individual com o intuito de promover uma sociologia acerca do reconhecimento social. Por definição, trata-se da atitude positiva para consigo mesmo que permite o auto-conhecimento e auto-realização. O reconhecimento, de acordo com sua teoria, seria capaz de levar ao respeito e estaria relacionado com a ideia de reciprocidade. Para que o indivíduo chegue às condições sociais essenciais para seu auto-conhecimento, faz-se necessária a aquisição cumulativa das três formas de reconhecimento (amor, auto-respeito, auto-estima). Para tanto, a individualização se mostra de extrema importância, visto que para se alcançar resultados coletivos é preciso partir da esfera individual, isto é, conhecer a si mesmo.
            A gramática moral, na sociologia de Honneth, consiste nas regras inscritas nas três dimensões do reconhecimento, ou seja, o amor, o direito e a solidariedade. Na primeira delas, os indivíduos se sentem dependentes um dos outros e se confirmam mutualmente na natureza concreta de suas carências, fazendo do amor o sentimento propulsor de tal reconhecimento. Na dimensão do direito, configura-se uma nova forma de reciprocidade, uma vez que obedecendo à mesma lei, os sujeitos de direito se reconhecem reciprocamente como pessoas capazes de decidir com autonomia individual sobre normas morais e tornam-se seguros do cumprimento social de algumas de suas pretensões. Por fim, na dimensão da solidariedade, quanto mais os movimentos sociais chamam a atenção da esfera pública para suas capacidades representadas de modo coletivo, maior a possibilidade de elevar na sociedade o valor social. Às três formas de reconhecimento correspondem três tipos de desrespeito, cuja experiência pode influir no surgimento de conflitos sociais.
            Um exemplo prático dessa luta por reconhecimento se evidencia pela decisão do STF acerca da união entre pessoas do mesmo sexo. Por unanimidade dos votos, consolidou-se o reconhecimento dessa forma de união como entidade familiar, de modo a gozar do mesmo reconhecimento que o Estado concede à união estável entre homem e mulher. O não reconhecimento apenas legitimava uma cultura homofóbica enraizada na sociedade, reforçando as injustiças culturais e comprometendo a capacidade do homossexual de viver a plenitude da sua orientação sexual, além de privá-lo de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais. Com a relatoria do ministro Ayres Britto, a ADPF 132 foi reconhecida como ação direta de inconstitucionalidade, e julgada em conjunto com a ADI 4277. Deu-se a interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do Art. 1723 do Código Civil, o qual enuncia que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Essa técnica de “interpretação conforme a Constituição” foi utilizada com o intuito de excluir do dispositivo qualquer significado preconceituoso que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
            Trata-se de uma medida de extrema importância levando-se em conta que estende, aos companheiros de mesmo sexo, os mesmo direitos e deveres dos companheiros nas uniões entre homem e mulher. Isso é extraído de princípios constitucionais como a igualdade, a segurança jurídica (caput Art. 5º), a liberdade (inciso II do Art. 5º) e a dignidade da pessoa humana (inciso IV do Art. 1º), além da vedação a discriminações odiosas. Além disso, mostra-se razoável levar em conta o tratamento constitucional da instituição da família, visto que o caput do Art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado, sem fazer distinção se é constituída por casais heteroafetivos ou homoafetivos. Deve-se considerar, ainda, que a homossexualidade constitui um “fato da vida” e que não viola qualquer norma jurídica e nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros, não havendo qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento desse tipo de união.
            Observa-se, assim, a direta relação entre a sociologia de Honneth e a luta pelo reconhecimento da união homoafetiva. A decisão por unanimidade de votos no STF é apenas um ponto de partida, um reconhecimento parcial e não simboliza a emancipação plena. No entanto, significa um primeiro passo essencial, visto que partindo desse tipo de reconhecimento no campo do Direito, talvez se alcance em outras áreas o reconhecimento pleno. O resultado não será imediato, mas a função do direito como emancipador é fundamental. Mostra-se, dessa forma, uma modalidade de luta social, termo explorado por Honneth. Para ele, seria um processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de modo que podem exigir relações ampliadas de reconhecimento. O âmbito coletivo deve ser destacado na medida em que o surgimento de movimentos sociais depende de uma semântica coletiva que permite interpretar as experiências de desapontamento pessoal como algo que afeta não só o eu individual, mas vários outros sujeitos. Os confrontos sociais, assim, se efetuam segundo o padrão de uma luta por reconhecimento, a qual consiste em uma articulação do individual com o coletivo e só pode ser caracterizada como social quando seus objetivos se deixam generalizar para além das intenções individuais. Conclui-se, com tudo isso, que a luta por reconhecimento se faz um processo de extrema importância e pode ser aplicado em diversos âmbitos das relações sociais. Nesse sentido, o Direito pode exercer papel fundamental, a exemplo do caso da ADI 4277, como emancipador e facilitador do reconhecimento social.
Gustavo Garutti Moreira – 1º Ano Direito Matutino


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