domingo, 22 de outubro de 2017

O outro lado da moeda

O contrato social na contemporaneidade, segundo Boaventura Sousa Santos, está enfraquecido e, portanto, volatilizado. Dessa maneira, sob a égide dos ditames neoliberais e conservadores, a sociedade civil e as relações políticas estão, com efeito, em constante mutabilidade, fato esse o qual repercute no rápido esfacelamento de elos antes rígidos. Boaventura teoriza, ademais, sobre as “zonas de contato”, as quais são os meios sociais nos quais se encontram a zona “selvagem – marginal e socioeconomicamente carente – e a zona “civilizada” – na qual o Estado é presente e eficaz.
A partir do disposto, esquadrinha-se uma íntima relação de tal disparidade social com a inclusão de cotas raciais em vestibulares no Brasil; segundo essa determinação, pretos e pardos ganham um benefício nas provas pautado no pertencimento a uma raça historicamente deteriorada e subjugada. Em primeira observação, a medida parece justa e inclusiva, não constituindo uma “afronta” à Carta Magna do país, como pretendia o DEM, em recente aguição; não obstante, basta uma análise além do senso comum para encontrar nisso uma arma de corrosão e corrupção das áreas periféricas do país.
As regiões economicamente vulneráveis, no Brasil, enfrentam diariamente uma guerra contra a miséria e contra o Estado, o qual pouco cuida e muito reprime. A inclusão de cotas raciais, além de reforçar veementemente a concepção racista de divisão social entre raças, cristaliza as diferenças entre pretos e brancos, impossibilitando o rompimento de barreiras. A esquizofrenia racial, que rotulava homens e mulheres pela cor da pele é elemento a ser transposto na sociedade moderna e as cotas raciais, ao menos por hora não parecem ser o ideal.
Além do embrutecimento da zona de contato, cria-se uma rixa interna da zona selvagem, uma vez que o indivíduo vulnerável, mas branco, passa a sentir-se reduzido frente ao vizinho, também marginalizado e pobre, porém negro ou pardo em pele. Emerge, pois, um conflito interno nas regiões periféricas e, assim, reduz-se a mobilização unitária das camadas menos favorecidas da sociedade em prol de mudanças.

Dessa maneira, parece-me que o Direito, “emancipatório” como coloca Boaventura Sousa Santos, é utilizado, nesse recorte, de maneira equivocada e inconsequente. O Estado se exime de uma responsabilidade e lança a sorte aos pouco afortunados, não por ação do destino, mas por desorganização do próprio Estado. O Direito, nas cotas sociais, não é emancipatório, mas sim ferramenta para suspender a responsabilidade do Estado, que toma a saída fácil.

Fernando Melo Gama Peres - 1° ano, Direito, noturno. 

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