segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Entre o fundamental da Constituição e o fundamental para a Constituição.


Muito se diz a respeito da “crise de representatividade” vivenciada no Brasil, principalmente  porque ainda está aberta a ferida da corrupção. Logo, o descolamento entre a classe política e sociedade civil demonstra uma espécie de “retração do Poder Legislativo”, o qual se torna incapaz de atender bem as demandas populares. Muito comum é, portanto, que as pessoas recorram ao judiciário, pois se tem algo como a expectativa identificada por Ingeborg Maus na Alemanha: de que a Justiça possa funcionar como uma “instância moral”.

Naturalmente, é um hábito o judiciário decidir a respeito de questões de larga repercussão política ou social. Tal é o fenômeno da judicialização, esta é legítima diante da Constituição brasileira de 1988 e até necessária. Principalmente porque nossa atual Constituição (1988) é classificada como analítica: constitucionaliza inúmeras matérias e transforma, nas palavras de Barroso, “Política em Direito”.  

Porém, um dilema: possuindo o judiciário um leque muito amplo de ação,  como identificar e avaliar o ativismo judicial? Isso porque o ativismo pode ser negativo e lesar bases fundamentais da Constituição quando, através de uma “preocupante inflexão hermenêutica no plano sensível dos direitos e garantias individuais”, impedir a concretização das liberdades fundamentais.

Note-se que, em 2016, o STF debateu a respeito do início da execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (ADC 43 MC / DF). Ora, o texto constitucional  (artigo 5º, inciso LVII) vincula claramente o princípio da não culpabilidade em uma das cláusulas, segundo Celso de Mello, mais essenciais à preservação da liberdade humana, principalmente por ser exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana, princípio no qual a República Brasileira se firma. Dessa forma, não se imaginaria possível qualquer interpretação que não proteja um direito fundamental. A não ser, é claro, em sociedades autocráticas.

Contudo, por maioria (6 a 5), o Plenário do Supremo Tribunal Federal conseguiu chegar a um entendimento diferente.

Bem, segundo Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial “é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição”, entretanto, “Juízes e tribunais [...] Só atuam legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição”. Desse modo, não se pode desistir de uma conquista nem mesmo diante de um irrefletido clamor popular. 

Ao fim, fica clara a razão para o Min. Celso de Mello afirmar que “desconsiderar a presunção de inocência impõe restrições não autorizadas pelo sistema constitucional”, porque nem poder judiciário nem qualquer autoridade pode sobrepor-se ao sistema de proteção institucionalizado pelo ordenamento constitucional. Desse modo, segundo sua interpretação, naquela ocasião, o Supremo admitiu uma “aberração jurídica, porque totalmente inconstitucional e ilegal.”

No mesmo sentido, Maus afirma que “Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social”, do qual nenhuma instituição democrática deveria escapar. Ou seja, a competência do Tribunal passa a ser derivada  de princípios desenvolvidos por ele próprio e não das regras constitucionais.

Todavia, não seria prudente a simples demonização do ativismo judicial pois, como argumenta Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial vinha sendo “parte da solução, não do problema”, quer dizer, seu risco é o uso descontrolado e frequente. Além disso, ele não é a causa da crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo.

Sendo assim, é preciso reconhecer a importância de várias conquistas oriundas da atuação do judiciário quando obediente às possibilidades e aos limites abertos pelo ordenamento jurídico. Por fim, tanto é importante não misturar os perigos e problemas da democracia brasileira que, recentemente, pôde-se verificar através do noticiário que, talvez, tenha havido uma mudança no entendimento da Corte, de forma que é possível esperar a alteração da “jurisprudência" com o retorno da questão ao debate do STF, já que um novo ministro integra as turmas e o Min. Gilmar Mendes sinalizou a mudança de seu voto, algo plenamente aceitável, particularmente se para retificar resultados injustos ou danosos ao bem comum e aos direitos fundamentais.


Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito noturno.

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