domingo, 22 de outubro de 2017

Entre Estado predador, garantias formais e inversão de valores


        O professor português Boaventura de Sousa Santos discorre em sua obra a respeito de uma crise a qual assola o contrato social. Nesse contexto, o novo contratualismo reproduz-se por meio de termos contratuais injustos, com o predomínio de processos de exclusão sobre os de inclusão. Dessa maneira, a discussão sobre a inconstitucionalidade do emprego de cotas raciais na UnB (Universidade de Brasília) explicita o caráter altamente alienado no qual grande parte da sociedade brasileira insere-se, uma vez que cotas raciais são vistas, muitas vezes, como um meio de legitimar a ideologia do racismo, e não como uma reparação dos danos causados aos negros ou pardos.
        Boaventura defende a emergência do fascismo social, o qual caracteriza-se como um regime social e civilizacional. A subdivisão de tal fascismo, culmina com o fascismo de apartheid social, no qual ocorre segregação social dos excluídos mediante a divisão das cidades em zonas selvagens (zonas do estado natural hobbesiano- Estado se manifesta como predador) e zonas civilizadas (zonas do contrato social- Estado atua de forma protetora). Embasando-se em tal argumento, constata-se que aqueles enquadrados em ações afirmativas raciais encontram-se submetidos a um Estado predador, o qual marginaliza e exclui, fato que pode ser observado por um dado do IBGE- o qual afirma que entre as 500 maiores empresas do Brasil, os negros ocupam apenas 30% dos cargos.
        Tal dado expõe a necessidade de que medidas que buscam reverter- no âmbito universitário- o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico- raciais no Brasil, devem ser aplicadas. Assim, diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade devem ser incorporados no modelo constitucional brasileiro. Portanto, a aplicação de cotas raciais em universidades públicas de todo o país, asseguraria uma garantia material e não apenas formal de igualdade (verificada na Constituição brasileira de 1988, ou Constituição cidadã).
        Em solo tupiniquim, os negros representam apenas 2% do contingente universitário do país, apesar de corresponderem a 45% da população brasileira. Tal dado demonstra a necessidade da aplicação de ações afirmativas raciais, uma vez que a questão da desigualdade a qual negros e pardos são submetidos é histórica. De acordo com Boaventura, o direito deve ser reinventado, visto que o surgimento do neoliberalismo criou um vazio institucional que será preenchido pelo conservadorismo. Este manifesta-se, por exemplo, através de comentários os quais defendem que as cotas raciais agravariam um racismo já existente no Brasil, por meio de segregações. Tal ideologia desvela-se obsoleta, visto que que trata a solução como obstáculo, ou seja, ocorre uma inversão de valores.
        Para Boaventura, deve-se atacar o conservadorismo, sendo uma condição necessária para a nova emancipação social do indivíduo diante da opressão do neoliberalismo. Assim, o autor defende que a implementação das cotas é um exemplo da utilização do instrumento do direito positivo emancipando indivíduos e grupos fragilizados da sociedade. Finalmente, entre Estado predador, garantias formais e inversão de valores, a condição do negro e do pardo no Brasil é definida, estando embasada em preconceito, discriminação e injustiças diárias.
Isadora Mussi Raviolo - 1º ano Direito (noturno)

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