segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Conversa constitucional

Direito, um recurso com poder emancipatório, de fato. A despeito da multiplicidade de significados e da carga ideológica que a palavra emancipação pode carregar, é possível fazer tal afirmação a partir do momento em que se chega à conclusão de que o Direito possui a capacidade de alterar, para o bem ou para o mal, a realidade do homem. Tendo por base esse fato, seria perfeitamente possível direcionar as forças jurídicas para um fim, que poderia, por exemplo, ser a emancipação dos povos, independentemente do significado que se atribui a essa palavra. Entretanto, este debate possui uma complexidade maior.
Interessante é o fato de que, no âmbito jurídico, essa discussão envolve um aspecto muito específico: o constitucional. Acima de tudo, aquilo que aqui se debate envolve as questões de poder, o poder da norma alterar a realidade. Chegado a esse ponto, faz-se apropriada uma abordagem vinculada às ideias de dois autores relevantes para o pensamento constitucional: Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse. Enquanto aquele desenvolve uma teoria que discute o poder das normas única e exclusivamente como reflexo das realidades vigentes, os fatores reais de poder, este concebe que a norma pode, de fato, possuir um poder próprio, uma vez que haja uma vinculação com os fatores reais de poder. Trata-se, na verdade, de se embasar no poder da realidade para direcionar a mesma. Ou seja, o direito possui, de fato, o poder de mudar a realidade, uma vez que a existência da norma tem sua efetivação associada não só à elaboração legislativa, mas, também, à aplicação e interpretação judiciária.
A priori, uma vez que se considera a emancipação dos povos um processo existente dentro da realidade do homem, e levando-se em conta que essa realidade pode, em seu todo, ser modificada pelo poder normativo (desde que devidamente fundamentado), é possível concluir que o direito pode ser um recurso emancipatório. Contudo, essa discussão não é tão simples: a) deve-se averiguar se as normas que serão utilizadas, criadas, interpretadas ou aplicadas para atingir aos fins dessa “emancipação” não irão entrar em contradição com os fatores reais do poder; b) mesmo se não haver contradições latentes entre a realidade vigente e os fins almejados, deve-se, caso a emancipação envolva o âmbito econômico, verificar se a proposta é sustentável e aplicável.
O direito, uma vez que se manifeste como expressão da vontade geral e que atue de acordo com os pressupostos de poder que o embasam, possui, de fato, uma força ativa capaz de gerar mudanças para o bem. Contudo, esse exercício deve se processar com respeito às limitações econômicas, morais, culturais, políticas e históricas de um determinado local. As implicações dessa conclusão podem, precisamente, ser identificadas: o direito possui o poder de dar a emancipação aos povos, todavia, isso não é possível se os meios necessários envolverem uma completa subversão da ordem e desvinculação das realidades materiais e espirituais vigentes.
Higor Caike - 1º ano, Noturno

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