segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A atuação dos magistrados e o uso da jurisprudência

           Em 2016 o Plenário do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Teori Zavascki, negou  habeas corpus a um ajudante-geral condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado, possibilitando que a execução da pena condenatória se iniciasse com a confirmação da sentença em segundo grau. Segundo essa decisão, o princípio constitucional da presunção da inocência não é ofendido. A partir desse habeas corpus, magistrados de instâncias inferiores ao STF e ao Supremo Tribunal de Justiça, utilizando a jurisprudência, proferiram sentenças que impediam recurso contrário pelo condenado. Isso, de acordo com o proferido pelo relator do Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43 Ministro Marco Aurélio, vai contra a literalidade do inciso LVII, artigo 5º, da Constituição Federal, o qual permite presumir que há uma gradação da formação da culpa daquele que está sendo acusado (a culpa é pressuposto da reprimenda, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior). A partir disso, o Ministro do Supremo conclui que a certeza da culpa existe apenas no Superior Tribunal de Justiça, ou seja, na instância mais alta, não cabendo às instancias mais baixas deferir sentenças condenatórias definitivas.
        Estaria, então, o sistema jurídico como um todo, principalmente os juízes de instâncias inferiores, fazendo um uso incorreto da jurisprudência? No Civil Law brasileiro o uso desse conjunto de interpretações das normas do direito é recente, ele tem sua origem no Common Law (sistema jurídico-normativo presente em países de origem anglo-saxã como Inglaterra e Estados Unidos). Serão elencados a seguir argumentos, com base no que foi proferido pelo Ministro Marco Aurélio na ADC nº 43, que possibilitam pensar em um uso incorreto da jurisprudência.
  1. O entendimento assentado na apreciação do habeas corpus nº 126.292 reverteu a compreensão da garantia que embasou a reforma do Código de Processo Penal – vê-se que o legislador alinhou-se ao Diploma Básico, enquanto o Supremo Tribunal Federal afastou-se dele ao preferir a sentença do referido HC.
  2. A sentença declaratória em segunda instância contraria o raciocínio de que o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito, negando, dessa forma, os avanços do constitucionalismo do Estado Democrático de Direito.
  3. A decisão proferida pelo HC nº 126.292, sob relatoria do Ministro Teori Zavascki, é contrária ao artigo 283 do Código de Processo Penal, o qual enfatiza que “ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifo meu). Vale ressaltar que esse dispositivo tem sua constitucionalidade reconhecida, uma vez que a Constituição Federal tem o princípio da não culpabilidade como garantia vinculada ao trânsito em julgado.


        Essas considerações revelam que há um conflito entre os preceitos e dispositivos já estabelecidos pela Lei Maior e pelo CPP e a atividade jurisprudencial que tem como base o HC nº 126.292. Não nos cabe aqui determinar se a jurisprudência tem sua atividade incorreta ou não, deve-se apenas considerar tais pontuações para título de reflexão.

               A socióloga alemã Ingeborg Maus, em seu texto “Judiciário como superego da sociedade – o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’”, afirma que no século XX houve um crescimento do “Terceiro Estado”, com a ampliação das funções do Judiciário e pela veneração religiosa que a população passou a ter por essa instituição. Essa confiança no Poder Judiciário é existente na sociedade brasileira e, decisões ministradas pela instituição – que tem como incumbência imprescindível proteger o texto que assegura os direitos delegados aos cidadãos – que colocam a garantia à liberdade em xeque, como foi o referido processo de habeas corpus, é lançar a vida das pessoas à insegurança, bem como a tutela do Estado Democrático de Direito.

Yasmin Fernandes Soares da Silva - 1º ano Direito [matutino]

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