segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Família






- Senta aqui para jantar, moleque – Ordenou.

-Já vou, deixa só eu matar o chefão aqui, pai – pede o menino, enquanto aplica habilmente um combo de 12 na tela do videogame.

- Não tem essa de esperar você – replicou com voz firme – a comida está quente, a mesa está servida e a família deve se reunir na hora do almoço.

-Mas é rapidinho, tô quase matando já – responde enquanto morde os lábios; sua face está marcada pela concentração. Afinal, se tratava de uma fase particularmente difícil de Mortal Kombat.

- Eu não quero saber se falta muito ou pouco pra você terminar este jogo estúpido – disse categoricamente João, enquanto se levanta calmamente da mesa e vem em direção ao filho. Em seguida, se aproxima do console e o tira da tomada dizendo – Anda vamos log...

-MEU, O QUE VOCÊ FEZ? – Vociferou incrédulo o mais jovem – TEM NOÇÃO DO TEMPO QUE EU PRECISE PRA CHEGAR AQUI? QUE ATITUDE IDIOTA DO CAR...

-Olha essa boca, Lucas – lançando um olhar penetrante no guri, responde irredutível – Eu sou seu pai, e você me deve respeito. Além disso, sou eu quem decido as coisas por aqui, sou a cabeça desta casa, e você é menor de idade ainda por cima, portanto, está duplamente subordinado a mim.

- Só porque eu tenho 17 anos? Então quer dizer que hoje eu sou um completo imbecil que não consegue deliberar sem sua permissão, que não pode fazer o que bem entender, mas que milagrosamente no mês que vem eu serei dotado de inteligência suficiente para poder discernir?

- Sim, é exatamente isso. É o que diz a lei.

- Por que diz a lei? – Visivelmente imperturbado – Leis podem ser mudadas, se necessário.

-É claro que podem, é o princípio da falseabilidade afinal de contas. Mas as leis são alteradas quando se percebe que a nossa observação de um determinado evento está equivocada.  As leis reais da natureza são imutáveis. Veja por exemplo, eu sou seu pai e você é meu filho. Não importa o que você fale, não importa o quanto lute contra isso, essa é uma verdade absoluta, e assim será até o final dos tempos.

- Quem sabe eu seja filho do vizinho...

- E mais, cada um aqui tem uma função dentro de casa. -  respondeu sem demonstrar ter ouvido o filho - Eu trago o sustento, sua mãe limpa a casa, seu irmão está terminando a faculdade e você precisa arrumar suas bagunças e, sobretudo, estudar pra dar certo na vida. Aqui não existe nenhum eu, apenas o nós.  O todo é mais importante que a soma de suas partes. A família é a prioridade.

- Agora anda, vamos almoçar que a comida está esfriando...

O filho o segue sem falar nada. Mas deixando escapar, em sua face, um olhar sombrio tão sanguinário quanto aqueles de tal jogo de Combate Mortal.







E assim caminha a família tradicional brasileira: na busca incessante da ordem para encontrar o progresso. Repleto de suas leis imutáveis. Carregados dessa constatação superficial do mundo. Sem se dar conta de que, quando se mergulha numa piscina rasa de cabeça, alguém acaba quebrando o pescoço.

Lucas Valeriano dos Reis / 1º Direito - Noturno

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