segunda-feira, 14 de agosto de 2017

As ruas e os bois



Somos menos que os bois de Guimarães Rosa e nos equiparamos aos mesmos de Drummond.  
A dinâmica da família estava assentada na rua e a vida das crianças no raio de seus pais. São três os filhos que guardam os instrumentos, enquanto, do outro lado do entroncamento entre as duas avenidas, a mãe estende na calçada seu pano em que expõe as artes feitas à mão e à hora. Diante das crianças, o pai, que se reveza entre as clavas e os arcos frente ao semáforo, apresenta, em menos de 45 segundos, seus malabares a uma fila compassada de automóveis enclausurados em seus “lugares sociais”.
A dinâmica das ruas, assim como a do positivismo, prevê a linearidade, plenificação no uso da razão para que não se finde o caos entre os automóveis que as utilizam e o balanceamento entre o estático e o dinâmico a fim de amalgamar a aptidão do agir e a realização da própria ação efetiva – respeito às sinalizações, aos semáforos, à hora de parar e de prosseguir, às noções de espaço -. Nesse caso, adornados de suas identidades de “lugares sociais”, as figuras sociais que conduzem os automóveis, em seus caminhos positivados, ao se depararem com um núcleo familiar sistematizado na intempérie das ruas e sobrevivendo da própria arte, é acometida pelo espanto positivista – consumado pela naturalização da lógica e das diretrizes dominantes dentro de uma sociedade – e que, nas palavras de Comte, faz-se como “[...] a sensação mais terrível que podemos sentir aquela que se produz todas as vezes que um fenômeno nos parece ocorrer de modo contraditório às leis naturais, que nos são familiares.”
Nesse sentido, ao introduzir a prática rural da atividade dos gados literatos em relação ao comportamento humano salteado pelo espanto comtiano, pretendia-se evocar a similaridade dessa atividade com a positividade compassada de carros e da abstenção moral de seus condutores diante de uma situação que, numa visão positivista própria, prevê a desordem e a disfunção social. Somos menos que os bois de Guimarães Rosa em “Conversa de Bois” uma vez que, ao assimilarem os processos mentais dos homens, subvertem-se à ordem e agem a fim de romper os grilhões que limitam suas ações a praticar algo que não contemple seu status. Equiparamo-nos com os bois de Drummond em “Um boi vê os homens” a medida em que corremos perdidos, desprovidos de essência tenaz e, dessa forma, mostramo-nos “espantosamente graves e sinistros”, blindamo-nos daquilo “[...] que é visível/e comum a cada um de nós, no espaço.”. Ruminamos uma verdade germinada por uma ciência viciada e abastada das realidades e necessidades sociais.

Leonardo Henrique de Oliveira Castigioni
1º Ano Direito - Noturno

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