quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O aborto de anencéfalos na perspectiva de Bourdieu

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, votou uma importante questão que envolve a vida humana e mobilizou diversos setores sociais: a descriminalização do aborto de anencéfalos. A anencefalia consiste na má-formação do cérebro e do córtex do feto, restando apenas um “resíduo” do tronco encefálico. Assim, o feto pode sobreviver durante todo o período gestacional, mas sem muita expectativa de vida no ambiente exterior ao corpo da mãe, pois, segundo dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTS), 65% dos fetos anencéfalos morrem ainda dentro do útero, embora haja a possibilidade de sobreviverem somente algumas horas e, no máximo, poucos dias.
No julgamento, foi decidido que, em caso de anencefalia, a realização do aborto é permitida, assim como quando a gestação é consequência de estupro ou apresenta riscos à vida da mulher. Em outros casos, o aborto voluntário é descrito como crime, com punição prevista no Código Penal de reclusão de um a três anos para a gestante e de um a quatro anos para o profissional, mesmo que a gestante consinta.
Se a gestante optar pelo aborto, pode solicitar o serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), sem necessidade de autorização judicial. Os médicos que realizarem o processo não estarão sujeitos à acusação penal, visto a legalização no referido caso.
Ao fazer uma análise da questão apresentada sob a perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu, há de se remeter a determinados conceitos que ele expõe em sua obra.  Um desses conceitos é o que Bourdieu concebe como campo. Os campos correspondem, portanto, aos espaços simbólicos autônomos, que têm características muito próprias. Outro conceito que se relaciona ao mencionado é o de habitus, que se refere a uma matriz estabelecida em função da posição que o indivíduo ocupa na sociedade, que conduz seus modos de pensar e agir. Dessa forma, na questão da descriminalização do aborto de anencéfalos, nota-se a colisão de dois campos, com seus respectivos habitus: o campo religioso e o campo do Direito.
As instituições religiosas brasileiras, em sua maioria, condenam a prática do aborto por considerarem-no pecado, alegando defender a vida do nascituro e sendo inflexíveis quanto à possibilidade de descriminalizá-lo. Esse tipo de pensamento é fundamentado em uma moral religiosa, que instiga o comportamento e as ações dos indivíduos inseridos no campo religioso. O campo do Direito, por sua vez, acaba por dialogar com outras áreas do conhecimento e procura engendrar a lógica positiva da ética e a lógica positiva da moral, as quais têm suas estruturas por ele reguladas. Além disso, é importante que, ao procurar solucionar certas questões, como a apresentada, o campo jurídico se afaste do instrumentalismo, a fim de não favorecer as classes dominantes, e do formalismo, através do qual o Direito pode agir como força autônoma diante das pressões sociais.
Por fim, é adequado que o Direito se fundamente na realidade para satisfazer as demandas da sociedade, visto que regula a vida social e política dos cidadãos por meio de instrumentos normativos. No caso do aborto, o âmbito jurídico levou em conta o caráter laico do Estado, o direito da mulher de escolher por prosseguir ou não com a gravidez e o fato das reduzidas expectativas de vida do nascituro, que serviram de argumento para que a decisão fosse deferida.

Bianca Carolina Soares de Melo – 1º ano de Direito - Noturno

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