terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A neutralidade como regra

Uma das teorias de Direito que mais se consegue enxergar sendo usada na contemporaneidade sem dúvida é a de Pierre Bordieu, pelo menos em sua teoria e em suas intenções. Iniciando sua perspectiva alegando que o Direito não pode se prender nem à abstração formal kelseniana e nem a única e total ligação às questões materiais da sociedade proposta pelos marxistas – especialmente os estruturalistas -, devendo sim ser uma mistura entre os dois; formal e ao mesmo tempo material.

Essa mistura entre formalidade e materialidade resultaria em um Direito baseado em princípios como o da universalidade, impessoalidade e neutralidade, o que faria com que, em muitos casos, o magistrado necessitasse de uma certa autonomia para aplicar as situações à ética e valores da realidade social, ainda que para isso devesse considerar que o Direito que aplica é uma manifestação do Estado em que se vive. Entretanto, até que ponto essa visão do Direito, de neutro e dentro dos limites da visão de Estado que se tem, é capaz de absorver com propriedade as pressões externas?

A título de exemplo para se fomentar este debate, pode-se utilizar a legalização do aborto de anencéfalos pelo STF em 2012. Os magistrados tinham em frente de si uma lei em que o Direito criminalizava essa forma de aborto e expunha a mulher a riscos de saúde com ela sendo obrigada a manter essa gravidez ou a abortar clandestinamente. Diante de tal lei, optaram por declararem-na inconstitucional, considerando-a uma questão de saúde pública principalmente em relação ao amparo da mulher. Entretanto, pode-se dizer que se exerceu o Direito de forma neutra, se ele foi diretamente de encontro aos movimentos principalmente feministas? Ou que ele representou a visão de Estado ou de ética da sociedade se 80% da população é contra a legalização do aborto?

Porém, caso o magistrado não tivesse tal postura, ele também atentaria contra a universalidade dos direitos e contra a função principal do Estado de zelar por todos os seus indivíduos, não devendo permitir sua exposição a situações que possam eventualmente comprometê-los.

Por fim, conclui-se que a ideia de um Direito neutro e que mantenha as estruturas do Estado constituído pode ser uma boa ideia para os governantes, que buscam manter sua estabilidade política e a continuidade da forma como se dá a organização do poder hoje. O que não podemos nos esquecer é que a base do Estado atual é justamente a desigualdade social e a presença de uma elite que domina basicamente todas as instâncias do poder, o que faz, claro, com que toda vez que a suposta neutralidade do Direito entraria em ação, essa elite se apropriasse da postura antitética da Constituição nesse sentido (que ao mesmo tempo que prevê determinados direitos, prevê mecanismos que impedem sua efetivação) para mais uma vez defender os seus próprios interesses e deixar a população em geral à míngua.


Defender a luta contra a desigualdade social, o enfrentamento das elites dominantes e a criação de uma nova ordem, igualitária, é também uma posição; uma ideologia ao Direito defender. Agora cabe aos doutrinadores e aplicadores do Direito decidirem se querem assumi-la. De que lado eles estariam?

Luiz Antonio Martins Cambuhy Júnior
1º Ano - Direito Matutino

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